
O Dia Internacional da Mulher não deve ser comemoração piegas. A data é sobretudo um reconhecimento da mulher como sujeita de direitos, a quem foi forçada uma injusta posição na divisão sexual do trabalho. No Brasil a participação feminina em cargos de destaque na política aumentou, independente de ideologia. Tal acontecimento foi fortalecido por uma militância de movimentos sociais e até mesmo de jornalistas que reivindicam mais espaço. Embora separadas pela classe social, o que torna a sem terra quase sempre em trincheira oposta à da âncora do Jornal Nacional, o vetor resultante dessas lutas é uma abertura do debate de temas caros aos grandes grupos de comunicação, chefiados por homens brancos conservadores.
No SBT Silvio Santos ainda dá as cartas e, quando não der, alguma das seis filhas assumirá o comando. Isso só ocorrerá porque o “rei” não teve herdeiro homem, ao contrário de Roberto Marinho que teve quatro filhos, todos do sexo masculino. Na Bandeirantes a família Saad, de descendência libanesa, não pretende colocar um salto alto no andar mais alto do prédio e a Record, bem, dispensa apresentações. Basta saber que o bispo Edir Macedo disse que as mulheres não podem ter mais estudo que o marido, proibindo as próprias filhas de cursarem faculdade. Daí vem: se mulher não pode chefiar a própria família, imagina uma rede de televisão?
Calma, nem tudo é o inferno das grandes emissoras de TV – e muito menos a família do mandatário da Universal! No meio esportivo temos mulheres que se destacaram presidindo grandes clubes de futebol, nossa maior paixão e também reduto de machismo. São elas Patrícia Amorim no Flamengo (2010 – 2012) e Leila Pereira, atual presidente do Palmeiras. Após 92 anos de Copa do Mundo, pela primeira vez a FIFA colocou em campo uma mulher como árbitra, a francesa Stéphanie Frappart. A transmissão de jogos femininos em TV aberta e a abertura de espaço para meninas em escolas de futebol sinalizam bons tempos.
Mas se engana quem pensa que o machismo acabou. Vejamos o que era exigido para se trabalhar como professora na cidade de São Paulo no ano de 1923. E não, as exigências que você vai ler agora não são fake news ou uma piada do site Sensacionalista. Segue:
1- Não casar.
2- Não andar na companhia de homens.
3- Ficar em casa entre 20h e 6h, a não ser para atender função escolar.
4- Não passar pelas sorveterias do centro da cidade.
5- Não sair da cidade sem a permissão do presidente do Conselho de Delegados.
6- Não fumar cigarros.
7- Não beber cerveja, vinho ou uísque.
8- Não viajar em carruagem ou automóvel com qualquer homem, exceto seu irmão ou seu pai.
É evidente na formalidade do contrato a objetificação da mulher, a submissão à figura masculina. E há quem diga que esse servilismo imposto às professoras é algo do passado. Mais ou menos! Tudo bem que em termos de contrato para professoras se avançou bastante pois o serviço público, pela sua natureza, incorpora direitos humanos primeiro do que a iniciativa privada. Porém, a professora que ingere bebida alcoólica, fuma cigarros, vai para festas de madrugada ou anda na companhia de homens que não são seus familiares é vista por muitas colegas de profissão como uma depravada, pecadora, sem modos. Ao que tudo indica, sobrou de direito apenas tomar um sorvete no centro da cidade.
Vamos ver se as mulheres estão de fato livres?
Em 2021 a 38ª DP prendeu um homem em Vicente Pires (DF) que agrediu a companheira após a mesma arrumar as malas para sair de casa. Este criminoso se nomeou o presidente do Conselho de Delegados. Em 2022, em Querência (MT), um homem matou a facadas a mulher que era atendente num bar e não obedeceu quando ele pediu para ser atendido antes de outros clientes. Vejam bem: a atendente não bebeu cerveja e tampouco andou com outros homens em automóvel, o que torna o crime algo bárbaro para o pior dos Malafaias que sempre arruma um jeito de justificar feminicídios. Em 2019, em Sobradinho (DF), um homem de 54 anos esfaqueou a mulher, de 63 anos, porque “ela chegou tarde em casa”. Também em 2019, em Cascavel (PR), um homem perseguiu a mulher que havia pegado carona com um amigo para ir ao salão de beleza, chegou ao local e disparou contra a companheira, mas a arma falhou.
Enfim, o contrato de professoras de São Paulo de 1923 continua valendo, infelizmente não só para professoras. Mais do que as regras de conduta, continuam a valer a violência, às vezes fatal, pela qual passam as mulheres que resolvem romper suas correntes. Nesse 8 de março, ao invés de flores e parabéns, dê respeito.