Vote em mim!

Fonte: Spirit Fanfics

Artigo de opinião originalmente publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 19, n. 08/2022, p. 7. disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/2022/08/jornal-conversa-informal-de-agosto-2022.html>. Acesso em: 22/08/2022.

Atenção: espaço destinado à propaganda político bairrista.

Sou o Seu Vicente, o seu candidato a deputado distrital. Sou um candidato bairrista, aquele que pede o seu voto por morar onde você mora, ou seja, proposta mesmo que é bom deixo pra depois. Se sou do seu bairro[1] então é claro que serei bom deputado para quem mora “aqui” não é mesmo?

Veja bem, temos menos cadeiras para deputado do que o número de bairros no Distrito Federal. Isso significa que teremos bairros que não terão representantes eleitos na CLDF (Câmara Legislativa do Distrito Federal). Outra: há bairros mais populosos que podem até eleger mais de um representante! Logo, precisamos concentrar nossos esforços para que eleger quem seja “daqui”. Você vai deixar seu bairro sem representatividade?

Se eleito, prometo defender nosso bairro, trazer recursos para nosso bairro e começar todos os meus discursos falando o nome de nosso bairro. Eu já falei que o bairro é nosso? Se não, falo agora: o bairro é nosso! E se o bairro é nosso devemos valorizar o vizinho que se candidatou porque é claro que um “candidato copa do mundo”, aquele que aparece de 4 em 4 anos, vai nos defender dos candidatos de outros bairros. O orçamento é um pra todo mundo e não adianta puxar o cobertor pra cabeça e descobrir os pés.

Quando uma região que tem população com nível de renda menor do que um salário mínimo precisar de uma escola, vou pressionar o governador para usar o recurso e construir uma rotatória com rosas do campo na entrada de nosso bairro. Quando determinada localidade com grande número de idosos precisar de hospital, movimentarei minha base de cristãos para dizer que o recurso seria melhor empregado se fizessem um museu da bíblia em nosso bairro. Quando um deputado de outro bairro discursar que tal endereço precisa de um CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) devido ao grande número de pessoas que recebe benefícios socioassistenciais, farei um protesto com empresários exigindo Refis (Programa de Recuperação Fiscal) da conta de água. E se denunciarem nossos queridos empresários por trabalho escravo, direi que geram emprego e renda para nossos queridos moradores.

Quer um emprego para a sua esposa? Não conseguiu vaga na creche para o caçula? Quer tirar aquela multa por estacionamento irregular? O alvará do seu galpão ainda não foi avaliado pela administração regional? Então pense diferente: vote em Seu Vicente.

As consequências do bairrismo são mais diretas do que a tentativa de comprar vacinas da Covaxin com sobrepreço de um dólar: aumento da desigualdade social e com ela o acirramento de conflitos na luta pela sobrevivência, seja de quem precisa de remédio ou de pão. Mas nada disso importa porque em nosso bairro “as grades do condomínio são pra trazer proteção”. Se nossos filhos morrerem na esquina sendo assaltados por adolescentes da mesma idade, o discurso de “morte aos marginais” está na ponta da língua dos homens de bem, esse grupo que insiste em me (re)eleger.

Eu não prometo, eu faço. E você me conhece de outros carnavais e de outras eleições. Você me vê na feira aos domingos tomando um caldo de mocotó ou ao final de dias úteis na fila do pão. Já tive nomes diferentes, mas o apelo bairrista é sempre o mesmo. O meu jargão “vote alguém do nosso bairro” já foi dos militares, dos executivos da segurança privada, dos empresários da merenda, dos neopentecostais, dos contratantes de ladrão de coroa de flores dos cemitérios, dos cartéis de postos de combustíveis, dos mandatários de empresas de transporte coletivo. Hoje eu sou o Seu Vicente furando a bolha de suas redes antissociais para pedir o seu voto. Sou Cristiano Palha e vocês, eleitores, são Rubião, como em Quincas Borba de Machado de Assis.

Não quer ler e vai esperar virar filme? Então veja a esquete Programa Político 2 do Porta dos Fundos clicando aqui.


[1] Antigamente no DF os bairros eram chamados de cidades-satélites por ficarem ao redor do Plano Piloto, a Brasília do plano original. Após 1990, a expressão cidade-satélite, considerada preconceituosa, deu lugar à regiões administrativas, o mesmo que bairro com administrador regional indicado pelo governador do DF e por esta razão sempre um puxa-saco do Palácio do Buriti.

Sobre ayanrafael

Pedagogo, Assistente Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Trabalhou como técnico-administrativo na Universidade de Brasília, como Professor de Atividades da SEEDF (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal) e atualmente é Especialista Socioeducativo - Pedagogo na Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, lotado no Centro Integrado 18 de Maio.
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