
Artigo de opinião originalmente publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 19, n. 05/2022, p. 7. disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/search?updated-max=2022-05-17T07:08:00-07:00&max-results=3&start=3&by-date=false>. Acesso em 18 jun. 2022.
Há algumas hipóteses para você ler esse texto agora. A primeira é a de que já acompanha o jornal Conversa Informal e, particularmente, minha coluna, ou seja, independente de qual seja o tema do texto você iria ler por afinidade comigo – o que não significa concordância. A segunda hipótese é a de que não me conhece e o título lhe chamou a atenção. “Você viu?” é uma pergunta instigante pois, incompleta, convida à leitura pela curiosidade. “Vi o quê?” – pensa o(a) leitor(a)! Assim, começa a ler o parágrafo e em poucas linhas sente incômodo por ainda não saber o tema do texto. Calma, continue aqui. O tema desse mês é cultura imagética, mas se eu tivesse colocado como título poderia ser que você não tivesse chegado ao final do primeiro parágrafo – supondo que esteja dentro da segunda hipótese apresentada.
Imagético é tudo o que se exprime por imagens. Nunca foi tão fácil a substituição da escrita por imagens: emoticons, figurinhas (stickers), memes, vídeos. Experimente fundamentar uma opinião em míseras 7 linhas e não tardarão a aparecer preguiçosos intelectuais com frases do tipo “vou esperar virar filme pra ver” ou então “nossa, que textão, resume aí”. Não tenho dados para falar de forma científica, mas acredito que mesmo os acadêmicos se renderam às redes sociais para expandir o que pensam. Dessa forma, os artigos cada vez mais abandonados em bases indexadas que se assemelham à cemitérios com letras e números, vez ou outra uma raiz quadrada, brigam por um lugar ao sol. Em prosa: as aulas dos doutores agora começam com “curta, compartilhe e se inscreva no canal”. O erudito, assim como o papa, é pop.
A princípio esse não é um problema. Se tem algo que a pandemia trouxe foi a multiplicação das lives mais do que a de pastores saqueando verba no Ministério da Educação. Talvez o anúncio da colisão de um meteoro com a Terra não causasse crise de ansiedade tão grande quanto alguém lhe inquirir “como assim você não viu a live da Marília Mendonça” ou “você tem que assistir todos os vídeos do Tempero Drag pra entender violência de gênero”. Seja para se divertir ou para obter informação – que não é o mesmo que conhecimento –, a concentração desses e de outros serviços também foi capturada pela cultura imagética, particularmente em forma de vídeo. Não vai demorar para os jornais lançarem seus editoriais em podcasts.
A questão é que não podemos, enquanto sociedade, perder a eficiência da leitura, sob pena de termos veículos de informação como jornais comunitários como esse sendo totalmente transformados em quadrinhos e memes para se adaptar ao nível de compreensão do(a) leitor(a). A leitura em profundidade, com atenção, movimenta processos cognitivos (cerebrais) diferentes de quando vemos um vídeo, que é uma atividade passiva e que aparentemente iguala o pós-doutor e o analfabeto como tradutores em igualdade do conteúdo consumido.
E qual seria a solução? Acabar com a cultura imagética? Obviamente que não. Primeiro porque seria tarefa impossível e segundo porque ela própria tem um papel importante na contemporaneidade, na democratização do acesso ao conhecimento, ainda que no mesmo pacote venham as fake news do tiozão como mamadeira em formato de pênis e outras pérolas. Logo, a ideia é equilíbrio, valorizando o ato da leitura de livros tanto quanto a de visualização de lives. Uma aula de biologia sobre reprodução humana fica muito mais interessante em vídeo do que em uma imagem parada num livro didático. De outro lado, a dúvida se Capitu traiu Bentinho em Dom Casmurro (Machado de Assis) só pode frequentar a imaginação de quem mergulha na leitura da obra e jamais de quem a vê numa novela.
Portanto, muitos profissionais têm mostrado seu trabalho nas redes sociais ou sites, o que funciona mais do que um cartão de papelão com telefone e e-mail. Dessa forma, ao invés de passar somente o contato de um médico, passa-se o seu perfil no Instagram e lá aparecem, em vídeos ou infográficos, dicas sobre saúde. Como se vê, a cultura imagética não é uma inimiga da sociedade se for usada de forma correta, senão sua aliada.
A propósito, se for para dar uma dica de canal no Youtube, assistam Tempero Drag. É revolucionário, didático e a apresentadora, Rita Von Hunty, esbanja carisma e conhecimento. E para quem quiser ler, indico o livro “Economia do Desejo: a farsa da tese neoliberal”, de Eduardo Moreira (editora Civilização Brasileira).
Boa leitura, seja de imagem ou códigos escritos.
Por aí….
CurtirCurtir