Quem precisa de professoras?

Encontro debate práticas de sala de aula
Imagem: Nova Escola

Artigo de opinião originalmente publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 18, n. 10/2021, Disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/2021/10/conversa-informal-de-outubro-2021.html>. Acesso em 08 dez. 2021.

O título tem duas provocações necessárias: afinal, quem precisa de professoras no mundo pós-moderno em que opinião e fato são colocados como sinônimos? A pergunta traz em si parte da resposta ao negar que fato e opinião são a mesma coisa. Explico: qualquer pessoa pode ter a opinião de que a ditadura militar no Brasil foi boa ou ruim, mas nenhuma delas pode negar o fato de que houve repressão e abusos de toda sorte por parte do Estado.

As provas para tal afirmação são fartas: em 1964 não se viram estudantes com seus fusquinhas cercando o Congresso Nacional e sim os tanques das Forças Armadas. Adiante, não há absolutamente nenhum relato de jornalistas torturando mulheres de militares colocando ratos em suas vaginas, como fez o finado coronel Ustra com seus adversários. Nem mesmo o sequestro do embaixador Charles Elbrick muda o resultado de qualquer história que seja contada sobre o massacre do Estado nos protestos contra os militares. Para quem duvida é só ver as imagens produzidas pela imprensa da época, mesmo com a censura.

Vamos despir um pouco a educação brasileira.

Dados do Censo Escolar 2020 revelam que professoras ganham em média 12% a menos que professores. Isso ocorre porque a maior parte delas está na educação infantil e ensino fundamental que, por lei, são competências dos municípios e estes, por sua vez, têm menos receita que os estados, estes últimos responsáveis pelo ensino médio. Em contrapartida, na França, a nata da profissão que atua na educação básica (maiores titulações) concentra-se na educação infantil. Esse dado certamente corrobora para os bons índices educacionais de franceses e outros países europeus como Finlândia, um dos que mais investem em educação no globo.

Há um provérbio africano que diz: “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Na prática a frase assusta economistas que se aventuram a opinar em educação mesmo sem nunca ter pisado numa escola pública. Isso porque, se interpretada como de fato é – veja, fato, não opinião –, a frase justifica que educação é um processo necessariamente coletivo. Paulo Freire, que lecionou na África e se vivo completaria 100 anos em setembro desse ano, colocou na prática esse ensinamento. De outro lado, as fundações ligadas a bancos que gostam de aparecer como mecenas vêem com maus olhos gastos em educação que não sejam para uma formação tecnicista. Em outras palavras, reescreveriam o ditado assim: “é preciso somente um professor para educar uma aldeia inteira”.

E quais as consequências de uma nação com poucas professoras?

Para a profissional os desdobramentos são maior relação aluno/docente com consequente prejuízo à qualidade de vida da professora e turma. O plano de saúde da professora todo mundo já conhece: segue readaptada pra secretaria ou pra xerox da escola sem direito à um acompanhamento digno de políticas públicas de saúde e assistência social. Para o Brasil, uma população facilmente manipulável e que age com raiva acima de tudo e de todos, enxergando nos sites patrocinados por empresários corruptos uma teoria da conspiração sem pé nem cabeça deforma qualquer tentativa de construção coletiva do conhecimento.

Sim, o que estou dizendo é que a polarização política na atual conjuntura brasileira é um produto direto do fracasso de nosso modelo educacional cartesiano, ou seja, Paulo Freire não tem nada a ver com isso. Não nos reconhecemos enquanto povo e sim como adversários, inimigos a serem derrotados qualquer que seja o preço e propícios à divulgação de fake news dado a sua baixa capacidade interpretativa. A negação de que a ditadura militar no Brasil foi um escárnio só é possível porque em algum momento os espaços de debate foram censurados, do grupo de Whats App Caso ainda não tenha percebido, a segunda provocação do título diz respeito ao gênero: falar de docência em nosso país é falar de mulheres. De cada dez docentes no Brasil, oito são mulheres. Logo, não serei a pessoa que irá utilizar um argumento aparentemente técnico para ignorar que a gramática foi construída por uma visão patriarcal. Libertemos e exercitemos: feliz Dia das Professoras nesse 15 de outubro!

Sobre ayanrafael

Pedagogo, Assistente Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Trabalhou como técnico-administrativo na Universidade de Brasília, como Professor de Atividades da SEEDF (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal) e atualmente é Especialista Socioeducativo - Pedagogo na Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, lotado no Centro Integrado 18 de Maio.
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