Direito a cidade em Vicente Pires

Setor Habitacional Vicente Pires. Imagem: Correio Braziliense.

Artigo de opinião originalmente publicado em Conversa Informal, jornal comunitário do Setor Habitacional Vicente Pires, Região Administrativa XXX do Distrito Federal. Ano 18, n. 04/2021, Disponível em: <https://jornalconversainformal.blogspot.com/2021/04/jornal-conversa-informal-de-abril-2021.html>. Acesso em 07 dez. 2021.

É comum nessa coluna eu comentar sobre as experiências de minha infância e juventude no bairro, uma vez que moro aqui desde o início da década de 1990. O texto desse mês dará ênfase à esse aspecto e começa com uma denúncia: Vicente Pires em 2021 é um bairro proibitivo para crianças e jovens! A afirmação parte de algo conhecido: não temos espaços públicos de encontro entre moradores.

Na década de 1990 muros eram raros. Crianças da então colônia agrícola conheciam-se por simplesmente ver um campo de futebol do outro lado do arame farpado e serem aproximadas, quase que como imãs, tornando-se amigas. Na “casa do Una” (rua 10, chácara 162) tinha um campo de futebol society, alegria da garotada. Para quem arriscava campo profissional tinha a “casa do Hermes” (rua 6, chácara 254), atual Escola de Futebol Furacão (Atlético-PR). Na rua 3, casa do nipo-brasileiro Emílio, jogávamos vôlei numa quadra de areia.

Vejam que interessante: havia um deslocamento rotineiro de jovens por todo o bairro, tudo isso antes do primeiro celular Motorola analógico de números laranjados com carregamento de 12 horas. Orelhão era um na Feira do Produtor, outro no posto da PM da EPTG e um terceiro numa cabine próxima ao posto da PM da Estrutural.

Na Feira do Produtor havia a Festa do Milho, rodeio e outros eventos que atraíam gente de fora de VP. Atualmente, o que mais se aproxima disso é a Festa Junina da Paróquia Nossa Senhora das Vitórias. À exceção do Ranchão (rua 8, chácara 192) e Mansão do Lula (rua 12, chácara 311), e olhe lá, ninguém reclamava do barulho das festas, um alívio para os jovens.

O fato de em VP termos áreas privativas de lazer, seja em casa ou área comum do condomínio, de longe afasta a necessidade de equipamentos públicos necessários à vivência em coletividade. Vejamos o exemplo de Águas Claras: mesmo com áreas privativas, o bairro tem praças e um bom parque. No Plano Piloto, há áreas verdes nas entrequadras, volta e meia disputada por igrejas. o Parque da Cidade ou o Parque Olhos D´Água, este último do tamanho de uma superquadra, fora o fechamento do Eixão aos domingos, representam qualidade de vida. Ainda no Plano, espaços privados como clubes de vizinhança com ampla oferta de atividades para a comunidade seguem esse raciocínio. Em VP, o pouco que se encontra de espaço comunitário é a biblioteca na Administração ou o Tagua Parque, deslocados para os extremos do bairro.

A passagem de área rural para setor de condomínios mudou a relação de crianças e jovens com VP. Hoje em dia, o barulho de caixas de som e conversa em voz alta ou a sujeira de snacks, garrafas de bebidas alcoólicas e bitucas de cigarro nas áreas comuns são alvo de reclamações constantes – e justas – de condôminos. Obviamente essa cena não existia quando vivíamos em chácaras, como não estavam instaladas as câmeras que filmam toda a ação. O bairro cresceu, passou a ter mais jovens e espaços mais fechados.

Lembro que em 2004 organizei num bar o I Orkontro (encontro dos moradores da comunidade Eu moro em Vicente Pires do Orkut). Outros vieram, agora na casa das pessoas. Foi uma ótima experiência que uniu a vontade dos jovens em se encontrar com o início do uso das redes sociais, quase um Tinder coletivo. Nessa época, a linha 946 (Rodoviária do Plano Piloto – Vicente Pires), talvez a primeira do bairro, era famosa pela amizade entre passageiros, conforme noticiou o jornal Correio Braziliense em 04/05/2005. São exemplos do início da transição de um VP rural para urbano.

Quase duas décadas depois, com mais moradores e tecnologia que pode potencializar encontros presenciais, pergunto: a juventude de VP está mais próxima ou distante? Um bar lotado significa que jovens de diferentes condomínios estão se conhecendo ou há um reforço de consolidação das tribos já existentes, por mais que os psicólogos falem que não há contradição nessa pergunta?

A urbanização do bairro com os calçadões é um alento, pois por muito tempo era impossível atividades como caminhada em vias esburacadas e sem calçamento. Observar VP ao final da tarde é perceber que a comunidade clamam por espaços como os PECs (Ponto de Encontro Comunitário). Que esse processo seja acelerado ao invés de pensarmos que essa geração de jovens está perdida para um projeto de direito à cidade, como foi a atual geração de adultos para os governos anteriores. Lutemos por isso.

Recordar é viver!

Será que você também pegava a linha 946? Logo abaixo você lê a reportagem de 04/05/2005 do Correio Braziliense, também disponível em: <https://ayanrafael.files.wordpress.com/2021/03/festanobau.pdf>. Acesso em: 07 dez. 2021.

Sobre ayanrafael

Pedagogo, Assistente Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Trabalhou como técnico-administrativo na Universidade de Brasília, como Professor de Atividades da SEEDF (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal) e atualmente é Especialista Socioeducativo - Pedagogo na Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, lotado no Centro Integrado 18 de Maio.
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