A crônica do jornalista Guilherme Goulart no dia 11/09/2017 no jornal Correio Braziliense (CB), impresso de maior circulação no Distrito Federal, causou revolta em muita gente. Vários indivíduos e grupos, não só de mulheres, manifestaram-se contrários à naturalização da exploração da imagem da mulher. Com um agravante: ao que tudo indica, a história parece ser verdadeira! Fossem outros tempos, o autor do texto ganharia títulos do tipo “Nelson Rodrigues Candango” ou algo assim. Felizmente, a sociedade evoluiu e agora cobra retratação pela publicação machista assinada por Goulart.
Se ater aos erros de escrita de Goulart, como quando ele diz que a estagiária Melissa “escondia o nervosismo com o andar tão leve e brilhante quanto pluma e paetê” para em seguida dizer que ela era “segura e independente e não dava ponto sem nó” é reproduzir a misoginia do jornal por não apontar o aspecto político da crônica. Até mesmo os representantes da “fauna masculina” e da “matilha” que agem para proibir exposições de arte sabem bem que nome se dá aos fatos narrados na crônica: assédio sexual. Não fosse a correção do editor de texto do computador do CB, único editor pelo qual Goulart passou, o português arcaico combinaria bem com o linguajar chulo utilizado na crônica.
Por falar em editor, é bom que se diga que o jornalista não publicou sozinho. Nem dono de jornal publica editorial sem que antes se faça uma reunião, minimamente, com os principais diretores da empresa. Dizer que a sociedade da informação exige uma produtividade de publicações em maior velocidade é tentar achar uma resposta técnica para cobrir a postura patriarcal que o CB teve no caso. A riqueza dos detalhes sórdidos se passa no próprio jornal que, ao invés de pedir desculpas à ex-funcionária, publica sua história como um troféu de um caçador na parede da sala. Em outras palavras: a crônica da cidade nunca ofendeu tanto a capital do país e, principalmente, as mulheres. Empurrar o jornalista como escudo é não fazer a confissão de que a redação do CB é um espaço desrespeitoso para estagiárias, legitimando e encorajando quem quiser repetir a narrativa.
A cronologia da história da estagiária no CB lembra bem as histórias da seção Fórum da antiga Ele & Ela, que juntamente com a Sexy concorria com a Playboy na década de 1990 no ramo de revistas ditas masculinas. Neste Fórum, leitores(as) publicavam suas histórias picantes ou “trocavam caixa postal” para se conhecerem. Isso significa que até o público conservador que não achou a publicação de Goulart agressiva, deve reconhecer que em época de Tinder, Whats App e outras redes sociais, o jornalista está completamente desatualizado sobre como e onde escrever seus contos eróticos bizarros como pano de fundo para a sua apatia diante de casos de assédio sexual no trabalho. Parafraseando o Fórum da revista Ele & Ela, faltou somente o final, comum à todas histórias e que felizmente Goulart não conseguiu: “e gozamos (quase) juntos”.