
No Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, José Serra posa com candidatas ao Miss Brasil 2009. Participante de Marcha das Mulheres Negras em frente ao Congresso Nacional em Brasília.
Qualquer pessoa que tenha mais de 15 anos, alfabetizada ou não, sabe bem que os concursos de miss Brasil afora não passam de politicagem. As comédias clichê como o filme Miss Simpatia mostram isso. Do concurso de miss da pequena comunidade do Vicente Pires no Distrito Federal aos conhecidos Miss Brasil (Mundo), Miss Brasil (Internacional), Miss Brasil (Terra) e o mais famoso, o Miss Brasil (Universo), em todos esses rachas trotskistas a nível de galáxia ou bairro o que reina é a política mesquinha de ver qual candidata poderá vender mais produtos direta ou indiretamente para depois de um ano ser descartada como um absorvente usado na lixeira da história.
Para não dizer que minto e não tenho experiência prática com o que escrevo posso relatar um pouco do concurso Miss Vicente Pires 2011. Esse concurso mais pareceu um roteiro dos Trapalhões na década de 1980, com o adendo da falta de respeito com as candidatas. Para saber do que falo, acesse o link abaixo:
As trapalhadas do Concurso Miss Vicente Pires 2011 (CLIQUE AQUI)
Agora politizando a questão…
Ocorreu nesse 18 de novembro em Brasília a Marcha das Mulheres Negras. Essa marcha representa muito mais a mulher brasileira do que qualquer concurso de miss, não só pelo fenótipo – e genótipo – das representantes, mas pela luta que travam diariamente contra o machismo e outras opressões de gênero em uma sociedade marcada pelo patriarcalismo. Mas calme: sou daqueles que gosta de provar o que diz. Procurando pelas regras do concurso de Miss Brasil, achei algumas diretrizes interessantes. Quantas mulheres você conhece que se encaixam no perfil abaixo?
– Ser do sexo feminino;
– Ter no minimo 18 (dezoito) anos e no máximo 26 (vinte e seis) anos até o dia 31 de dezembro correspondente ao ano do concurso;
– Não ser emancipada;
– Nunca ter sido casada, nem ter tido casamento anulado;
– Nunca ter sido mãe, não estar grávida;
– Nunca ter sido fotografada ou filmada totalmente despida, expondo os seios e partes íntimas;
– Nunca ter sido fotografada ou filmada em cena de sexo explícito; e
– Ter estatura minima de 170 (cento e setenta) centímetros.
Só faltou colocar como pré-requisito ser aprovada no TOEFL, o exame de proficiência em língua inglesa. Sejamos sinceros: estas regras excluem de participação grande parte das mulheres jovens do país: casadas ou emancipadas por ver no matrimônio uma forma de sair de um residência violenta que não lhe traz dignidade. Grávidas ou com filhos por habitarem regiões vulneráveis socioeconomicamente, sem políticas públicas de saúde e educação. Com menos de 170 centímetros por serem privadas de nutrientes básicos na alimentação desde em que ainda eram fetos. Por fim, filmadas ou fotografadas despidas, mostrando os seios e partes íntimas ou em cenas de sexo explícito sem consentir ou, ainda que soubessem da filmagem, sem autorizar a divulgação. Não sou eu quem diz que essas são características de mulheres negras, mas é óbvio que se existe preconceito com mulher no Brasil, para a mulher negra as coisas são ainda piores. Não é à toa que esta marcha de mulheres ganhou a adjetivação de negra e, com isso, um importante recorte de classe. Para quem duvida que são as mulheres negras que mais sofrem com violência dos homens, que hoje se expressam pelos nudes (fotos nuas) forçados e estupro, procure qualquer base de dados de órgãos governamentais, ONGs ou pesquisas encomendadas sobre o tema e veja se ocorre o contrário, ou seja, se são as mulheres brancas que mais sofrem violência.
Não foi em nenhum concurso de Miss Brasil mas sim na Marcha de Mulheres Negras que eu reconheci as professoras que trabalham comigo, minhas alunas de escola pública, a caixa do supermercado, a padeira, amigas, familiares e mais um monte de gente que eu não conheço pessoalmente mas que passam por mim diariamente com seu cabelo crespo e pele negra. Não foi no concurso de Miss Brasil mas na Marcha das Mulheres Negras que identifiquei o espírito de luta das brasileiras ao enfrentar, chegando ao Congresso Nacional, um policial civil armado que fez disparos para o alto, como quem quisesse se impor pelo medo e pelo falo entre as pernas. Às vezes penso que o Miss Brasil é gravado na Europa com dinamarquesas que falam português fluentemente.
Se você é militante ou tem uma leitura um pouco mais aprofundada de ideologia de gênero e leu o texto até aqui, deve pensar que para a sociabilidade que vivemos atualmente, em qualquer formato de concurso de miss sempre haverá machismo, rotulação das mulheres, reforço de paradigmas e várias formas de preconceito. É verdade! Esse não é um texto de formação militante, de um partido político ou de um coletivo de mulheres. Assim, este texto demonstra que mesmo dentro de uma racionalidade heteronormativa e liberal os concursos de miss beiram o ridículo de tão surreais que são.
Desde Marta Rocha, a primeira ganhadora do Miss Brasil em 1954, a única negra que ganhou foi Deise Nunes, do Rio Grande do Sul, em 1986. Vejamos a configuração do Miss Brasil 2015: a apresentadora, Mariana Weickert, é branca; o apresentador é o ator branco Cássio Reis; o público é formado em sua maioria por pessoas brancas como patrocinadores, representantes comerciais, estilistas e deve ter até alguns chefs de cozinha que estão na moda pelos inúmeros programas de gastronomia na TV aberta e por assinatura. Porém, tanta gente branca num país com com maioria de negros(as) autodeclarados(as) é pura coincidência, claro. No Brasil vivemos a democracia racial.
Ah, sim, você quer saber sobre o concurso Miss Brasil 2015. Outra vez vai a ganhadora vai ser branca, por bem ou por mal. E sem essa de rasteiras, laxantes ou roubo de coroas. Comportem-se meninas. Afinal, vocês estão entre pares.