CARTA ABERTA DE RONDONISTAS DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA EM CAMPO ALEGRE DO FIDALGO – PIAUÍ

“Você só pode falar de composteira se for especialista na área. Vocês não tem formação no tema e portanto não podem abordar isso em sala.”
Carmem Regina Mendes de Araújo Correia, técnica-administrativa e atual Coordenadora do Núcleo Projeto Rondon UnB, em reunião com monitores no dia 17/01/2013.

Em virtude dos últimos acontecimentos ocorridos com o Núcleo do Projeto Rondon UnB, rondonistas que estão na Operação Canudos do Ministério da Defesa, na cidade de Campo Alegre do Fidalgo, no Piauí, em pleno período letivo – por vontade própria e sem nenhum arrependimento – e representando a Universidade de Brasília, vem à público esclarecer alguns fatos.

O Núcleo do Projeto Rondon UnB foi criado em 2007 e desde então apresenta os seguintes resultados:

· Participação em 26 operações rondonistas, sejam do Ministério da Defesa, da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina) ou organizadas pelo próprio Núcleo, totalizando 113 municípios e 829 estudantes que foram a campo nesse tipo de atividade (residência universitária em Projeto Rondon), o que significa que a cada 50 cidades brasileiras, uma já teve 7 estudantes da UnB em atividade de extensão;

· Criação da disciplina Construção de Projetos Sociais Multidisciplinares, em que participaram 2.314 estudantes, sendo 667 da área de Ciências Exatas, 794 de Ciências Humanas e 853 das Ciências da Saúde, executando atividades que integram ensino às oito áreas da extensão universitária em regiões administrativas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano do Distrito Federal como Ceilândia, Estrutural, Itapoã, Recanto das Emas e Santa Maria, dentre outras com menor regularidade;

· Em 2011 foi um dos poucos projetos da UnB que foi aprovado pelo ProExt (Programa de Extensão Universitária) do Ministério da Educação, arrecadando recursos que foram utilizados na Operação Território da Cidadania, ao longo de 2012, nos municípios goianos de Água Fria de Goiás, Alto Paraíso, Cabeceiras de Goiás, Cavalcante, Planaltina de Goiás e São João D´Aliança;

· De todos os trabalhos da Universidade de Brasília aprovados no SEREX 2012 (Seminário Regional de Extensão – Centro-Oeste), ocorrido em Goiânia/GO, mais da metade foram escritos por monitores do Núcleo;

· Um dos poucos projetos da UnB que participou do V CBEU (Congresso Brasileiro de Extensão Universitária), em 2011, na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), com 2 professores e 8 estudantes;

· Participação em todas as Semanas Universitárias (antiga Semana de Extensão), desenvolvendo diversas ações com todo o tipo de público, integrando estudantes, professores, técnicos e comunidade nas atividades;

· Colaborou com vários PEACs (Projeto de Extensão e Ação Contínua) da UnB;

· Integra momentos presenciais, como as aulas semanais e trabalho online, com as saídas de campo em que estudantes executam ações ou participam de trabalhos desenvolvidos nas comunidades em que atuamos;

· Utiliza sistematicamente a plataforma Moodle, melhorando a comunicação com discentes e enriquecendo a construção das atividades, o que é reconhecido até mesmo por estudantes que não gostam do ambiente virtual de aprendizagem; e

· Realizou atividades extensionistas em várias localidades do DF, sempre visando proporcionar aos estudantes da disciplina a possibilidade de conhecer distintas realidades socioeconômicas.

O trabalho realizado sempre esteve comprometido com os princípios de uma extensão universitária emancipatória, multidisciplinar e conectada com uma construção coletiva do conhecimento. Não realizamos apenas ações pontuais, mas investimos na construção do vínculo e acompanhamento das comunidades em que atuamos. Não falamos mal de nenhum projeto e jamais agimos na surdina para que qualquer um deles acabasse. Outrossim, enaltecemos o que fazemos porque consideramos não só importante, mas essencial. Sabemos competir de forma leal, ainda que nossa preferência seja pelo trabalho colaborativo e não–excludente. As ações executadas pelos monitores não são meramente burocráticas, mas identificam no estudante seus conhecimentos acadêmicos e a vivência que antecede a sua entrada na educação superior, trazendo isso para a troca dentro e fora da sala de aula. As comunidades em contato com o Rondon reconhecem essa perspectiva.

No município de Campo Alegre do Fidalgo, no Piauí, problemas como escassez de água, condições adversas do clima e limitações estruturais pela baixa arrecadação, quase que comum às cidades pequenas, não tem impedido que essa experiência se mostre bastante enriquecedora tanto para a comunidade quanto para nosso grupo. A realidade climática do nordeste independe dos rondonistas, mas a realidade social, que mesmo de forma tímida já começou a mudar com as atividades realizadas no município. A semente foi plantada e o conhecimento para isso nasceu no Núcleo. O maior passo, que hoje damos cotidianamente, foi ter saído do discurso para a prática. Não gostaríamos que a partir de agora o Núcleo se tornasse um cemitério da inovação e práticas pedagógicas colaborativas que conseguimos ao longo de anos, que culminavam na extensão universitária. Felizmente no caminho não há só pedras, mas também as mãos da população piauiense que nos contagia de felicidade e nos levanta a cada momento.

“O Antonio Carlos fica até dia 15 de janeiro (de 2013) e depois vamos ter outra pessoa na coordenação do Núcleo”.
Thérèse Hofmann Gatti Rodrigues da Costa, decana de Extensão da UnB, em reunião no dia 10/01/2013 com pauta única sobre a Operação Canudos, pegando o próprio coordenador de surpresa ao informar sobre seu afastamento na frente do grupo.

O Professor Antonio Carlos dos Anjos Filho foi contratado na gestão da Professora Leila Chalub à frente do DEx para administrar o Núcleo, tornando-se em seguida o Coordenador Geral do mesmo. Sempre dedicou-se bastante, tendo bom relacionamento institucional com a comunidade universitária, Coordenação do Projeto Rondon do Ministério da Defesa e outras instituições de ensino superior. Em vários momentos, andou no próprio veículo, sem nenhuma ajuda de custo, nas regiões de Goiás, Minas Gerais e Tocantins, procurando conversar com prefeituras para realizar as operações rondonistas do Núcleo. Chegou a retirar dinheiro do próprio bolso para que as turmas pudessem fazer saídas de campo para as comunidades, o que a nova coordenadora já adiantou para os monitores em reunião no dia 17/01/2013 que não irá fazer.

Repudiamos a tentativa de constrangimento de nosso Coordenador, seja na situação supracitada ou em outras, com ou sem o conhecimento da equipe, fazendo inferências desrespeitosas ao excelente trabalho que vem sendo realizado. O Professor Antonio Carlos é um dos principais responsáveis pela transformação de uma sala abandonada no subsolo do ICC Sul em um dos locais mais produtivos da universidade. Dessa forma, se a nova coordenadora não irá pagar do próprio bolso, que bom que o Núcleo vai ser, enfim, institucionalizado. Senão conosco, que seja com outras pessoas. Fazemos votos para que façam um excelente trabalho.

“Pintar o rosto de uma criança é tão importante quanto ensiná-la a ler e escrever. É Pintando o rosto de uma criança que você pode olhar se ela sofre algum tipo de violação de direitos como abuso sexual, violência doméstica e outras. É na pintura do rosto que se pode ver, olhem só, o rosto da criança. Quem aí já olhou, olhou de verdade, o rosto de uma criança?”
Professor Antonio Carlos dos Anjos Filho, durante o V CBEU.

Não negamos a importância da pesquisa na universidade, mas trabalhar de maneira covarde para que um Núcleo que opera inúmeras atividades de extensão da UnB se transforme em mais uma sala de projetos de pesquisa é contraproducente. Infelizmente, a visão que se tem de extensão universitária é essa: algo que só traz despesa e não gera resultados mensuráveis, enquanto projetos de pesquisa trazem recursos e pontos de produtividade no CNPq. Essa é uma visão equivocada, uma vez que a universidade deve ser assentada no tripé ensino – pesquisa – extensão, sem hierarquia de nenhuma dessas partes. Portanto, tememos pela quebra na continuidade das atividades que vem sendo desenvolvidas nas comunidades do DF e universidades parceiras.

Informamos também que concluiremos a disciplina Construção de Projetos Sociais Multidisciplinares – 2/2012, adiantando que nenhum de nós tem o interesse de continuar em nenhuma das atividades deste Núcleo, incluindo a disciplina supracitada, a partir do 1/2013. Essa medida torna-se necessária diante das atitudes autoritárias, verticais, anti-éticas e desrespeitosas executadas pelo DEx nos últimos dias. Julgamos desastroso e inconseqüente retirar o Coordenador do Núcleo em reunião que não tinha essa pauta, bem como consideramos uma afronta decidir mudar a fechadura do Núcleo de um dia para outro, sabendo que no local encontram-se materiais didáticos de professores e estudantes. Observamos que é no mínimo questionável fazer essa ação num momento em que 8 monitores e 2 professores encontram-se em atividade fora do DF e com certa limitação na comunicação.

Apesar de tudo que ocorreu, esses conflitos nos fortaleceram em Campo Alegre do Fidalgo. As atividades continuam e nosso compromisso com as práticas extensionistas que sempre realizamos se mantém inalterado. Não abandonaremos o município como o DEx fez conosco e não precisamos de estar vinculados à um local que nos apóia de forma superficial. Olhando para enxergar soluções em meio aos problemas, uma das principais características dos rondonistas em momentos de crise é buscas soluções para as dificuldades ao invés de apenas piorá-las. Talvez aí esteja de fato a nossa liberdade e, por mais que não esteja, valeu a pena tudo que passou.

Aproveitamos para agradecer as centenas de pessoas que já fizeram parte do Núcleo, sejam estudantes, professores, monitores, técnicos e comunidades do DF e entorno. O trabalho de todos vocês foi fundamental para que atingíssemos não somente os dados que apresentamos na primeira parte, mas muitos outros resultados quantitativos e qualitativos, dentre os quais olhar no rosto de centenas de crianças, adultos e idosos e vê-los sorrirem, aprendendo e ensinando conosco.

Brasil! Extensão! Rondon! UnB!

Campo Alegre do Fidalgo, Piauí, 19 de janeiro de 2013.

Assinam essa Carta:

Bianca Paula dos Santos
Breno Marra Rabelo
Larissa Moreno
Marcos Aguiar Matos
Marcos Ferreira Calixto
Pedro Henrique de Souza Oliveira
Rafael Ayan Ferreira
Tomé de Pádua Frutuoso
Wevertton Felipe Brasil de Oliveira

Sobre ayanrafael

Pedagogo, Assistente Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Trabalhou como técnico-administrativo na Universidade de Brasília, como Professor de Atividades da SEEDF (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal) e atualmente é Especialista Socioeducativo - Pedagogo na Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, lotado no Centro Integrado 18 de Maio.
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