Imagine o seguinte diálogo entre um policial federal e um senador:
PF: senador, o senhor está preso.
Senador: tem mandado?
PF: Claro que sim.
Senador: pois eu tenho mandato. Além do mais, roubei dinheiro público e, portanto, não posso ser preso.
PF: …
Pronto, fim de conversa! O que parece – e é – o óbvio exime de qualquer responsabilidade quem o anuncia.
Tudo isso bem que poderia ser mais uma esquete do Porta dos Fundos. Contudo, é mais um triste capítulo da política brasileira. Vejamos a manchete do G1 publicada em 02/06/2017, 11h01:
Filmado com mala de dinheiro, Loures caiu em ‘engodo’, diz ministro Eliseu Padilha
Ali, o objetivo era ter a filmagem’, afirmou ministro da Casa Civil em entrevista a rádio Gaúcha. Para ele, Temer e Loures foram alvos de um processo ‘preparado’.
Bem, a manchete é uma prévia da pérola do que Eliseu Padilha, mais um corrupto do time de ministros de Michel Temer, concluiria com a sua tese de armação ilimitada com um governo tão honesto em que o cargo de ministro serve unicamente para dar foro privilegiado à investigados pela Justiça. Disse Padilha:
“A versão que nos chegou é que ele caiu em um engodo, que havia a necessidade de gravar ele com essa mala, com esse dinheiro. Foi preparado todo um processo em que ele [Temer] e o Rodrigo caíram. Não se deu conta de que estava sendo utilizado. Ali, o objetivo era só ter a filmagem”, afirmou o ministro em entrevista à rádio Gaúcha.”
Sensacional! Padilha assume o crime de Rocha Loures e o leitor fica assim, abismado, perguntando-se: onde está o crime? Ora, se o crime é colocado como algo evidente, notório, não sobra espaço para argumentar que o que foi feito é errado, que é passível de punição. Sim Padilha, havia a necessidade de gravar Rocha Loures com a mala. O que você queria, que avisasse que ele estava sendo filmado? Foi preparado um processo sim, é dessa forma que se faz para pegar corruptos como os do governo Temer. Se Rocha Loures não se deu conta de que estava sendo utilizado, então é sinal de que a PF fez um bom trabalho. E o objetivo não era “só” obter a filmagem num primeiro momento, mas agora esta filmagem tem outros objetivos, como comprovar que o golpista Temer sempre se locupletou de propinas. Padilha assume o crime de Rocha Loures e utiliza-se do óbvio para tentar livrar o colega de entrar pro hall de políticos com tornozeleira eletrônica.
Engana-se quem pensa que este episódio foi o único. A máxima “não nego minhas atitudes, você que vê pelo lado negativo” tomou conta da Esplanada dos Ministérios. As quadrilhas do PSDBretch e PMDBretch que sustentam o governo do vampirão sugador de direitos sociais perderam a vergonha na cara.
No dia 30/05/2017 foi divulgado o diálogo do áudio entre os traficantes de cocaína – e nas horas vagas senadores por Minas Gerais – Aécio Neves (PSDB) e Zezé Perrela (PMDB). No diálogo, Aécio reclama da falta de solidariedade de Perrela que no dia 13/04/2017, em entrevista para a rádio mineira Itatiaia, se esnobou por não estar na lista de Janot. Prosseguindo a conversa, Perrela complementa: “mas eu não faço nada de errado, eu só trafico drogas”. Aécio ri do comentário do colega parlamentar. Perrela é ex-presidente do Cruzeiro e pai de Gustavo Perrela, atual secretário de Futebol do Ministério dos Esportes. Ambos estão envolvidos no caso do helipóptero que caiu com meia tonelada de cocaína em Brejetuba (ES), em novembro de 2013. Não seria preciso este caso para saber que Aécio e Perrela são compadres e traficantes de outros tempos, mas essa história chama muito a atenção pelo fato de o juiz ter mandado soltar os pilotos antes mesmo que fossem interrogados. A cocaína, ao contrário do helicóptero que é dos Perrelas, não tem dono, pelo menos não depois da queda do helicóptero.
Você pode pensar que são episódios diferentes, pois o primeiro é uma declaração aberta do ministro Eliseu Padilha enquanto que Perrela e Aécio foram grampeados pela Polícia Federal. Em tese sim, mas ocorre que após a divulgação do grampo, Perrela veio a público e afirmou que realmente disse aquilo, mas foi em tom de deboche. Essa é a nova variável ao assumir sua culpa: uma pitada de ironia que possa anular o conteúdo criminoso de sua fala como traficante.
Não julgue que são episódios diferentes, uma vez que o primeiro é uma declaração aberta do ministro Eliseu Padilha enquanto que Perrela e Aécio foram grampeados pela Polícia Federal. Em tese até seria. Porém, após a divulgação do grampo, Perrela veio a público e afirmou que realmente disse aquilo, mas foi em tom de deboche. Essa é a nova variável ao assumir sua culpa: uma pitada de ironia que possa anular o conteúdo criminoso de sua fala como traficante.
Vale lembrar que no Brasil a cada três pessoas presas, uma delas é por tráfico de drogas, sendo elas a maioria jovens (15 a 24 anos), negros, moradores de periferias e pegos com poucas quantidades de drogas, algumas vezes até sem provas e que aguardam julgamento em centros de detenção provisória – para os pobres, detenção definitiva. Nesse mesmo país, um senador que escancara para todos que é traficante, tem um helicóptero que é “abatido” por erro do piloto, mas não consegue ser “abatido” pela mesma justiça que lota os presídios de pobres.
No Brasil, mais do que nunca, vale o pensamento do jornalista Aldo Novak: “quando tudo der errado, tente o óbvio”.