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Primeiramente, se você é daquelas pessoas chatas que acha que novela da Globo é a raiz de todos os problemas do mundo, na boa, vai procurar outra coisa para fazer, mas não venha encher a paciência aqui ok? Também não sou chegado a novelas, nem sou gay, mas o assunto que vai ser tratado aqui independe se alguém viu a novela inteira ou algum capítulo, ou qual seja sua orientação sexual.
Indo para o assunto principal…
Assassinatos, rapto de crianças, facadas, cenas tórridas de sexo entre casais hetero. Junte tudo isso numa novela e dê um nome: Amor a Vida. Durante meses, milhões de pessoas acompanharam a trama da médica com sua filha, a trama da jovem que queria casar por interesse mas se arrependeu, a trama da jovem que queria casar por interesse e não se arrependeu, a trama da mulher que não conseguia engravidar e fugiu com a criança, a trama de um hospital que era um show de sensualidade, enfim, várias tramas que ora se complementam, se fundem ou se distanciam.
O personagem Felix (Matheus Solano), um gay que começou como vilão, conquistou a graça do público com seus jargões. No final da novela, Felix se transforma em outra pessoa devido ao contato com outro gay, Niko (Thiago Fragoso), que consegue dar ao vilão um outro sentido para a vida.
Há décadas assistimos na Globo cenas de estupro, de violência gratuita, ode ao consumismo, ridicularização dos comunistas, roubos, assaltos, coronelismo e neocoronelismo, tudo isso com muita traição e cenas de sexo entre casais hetero. Porém, o tão esperado beijo gay ainda não saiu de mera gravação nas novelas da Globo. O beijo entre mulheres já apareceu no Big Brother Brasil, mas não em novelas, devido a maior aceitação que tem principalmente por uma sociedade patriarcal, machista, em que o beijo lésbico é incentivado como forma de saciar a tara de homens sexistas e o beijo entre homens é visto como algo promíscuo e nojento.
Com Felix a Globo tem uma grande carta na manga: o personagem, mesmo quando vilão, ganhou o público com sua forma irreverente, sobretudo com suas afirmações do que teria feito de errado em outras encarnações quando lidava com alguma situação difícil, usando para isso passagens bíblicas mas sem atacar a filosofia judaico-cristã. Logo, talvez a Globo jamais tenha tido outro personagem com tanta força política para beijar sem ser condenado pela opinião pública. Adiante, Niko é outro que conquistou o carinho dos noveleiros devido à forma carinhosa como trata seu filho, o que muito pai hetero não faz.
É verdade que a maior aceitação de um beijo gay não viria pura e simplesmente da interpretação de um ator, por melhor que ela seja. Essa aceitação vem de muitas lutas que estão sendo travadas pelo público gay, das marchas, da atuação de parlamentares progressistas como Jean Willys (PSOL-RJ) e outros, da morte de muitos gays pelo simples fato de serem gays, que ganha os noticiários e as redes sociais, chocando a população. Triste é um beijo gay precisar de ter conjuntura para acontecer: ter um personagem que agrada ao público, um homossexual espancado ao sair de uma boite e jogado embaixo de um viaduto em São Paulo, com local do crime e consequências corrompido pela polícia, ou uma marcha para dar visibilidade aos travestis, com seu eterno problema de aceitação num mercado de trabalho patriarcal que zela pela “boa aparência”. Sonhamos com o dia em que para acontecer um beijo entre dois homens na novela basta que isso dependa da trama escrita pelo autor e não da aceitação do público ou do alto escalão da Globo.
Na novela já teve facada, disparo de arma de fogo, acidentes simulados contra uma secretária do lar, extorsão, sexo por interesse. Os gays estão por aí, andando de mãos dadas, nos parques, nos shoppings, nos bares e até nos filmes, sendo vistos por crianças, por idosos, mas infelizmente são invisibilizados naquilo que é um dos passatempos preferidos da população brasileira: a novela. Para que Amor a Vida tenha um final feliz, com muito amor, com amor a vida, e possa deixar uma boa impressão para o público, falta o principal: o amor. Sendo assim, o amor pode ser mostrado quebrando um paradigma preconceituoso e inaugurando uma nova fase nas novelas. Ei Globo, se é verdade que a gente se vê por aí, tá faltando o beijo gay na novela!