Escola ou prisão? Seu filho à um bip de distância… e muitos abraços também!

Se a escola é interessante, com professores motivados salarial e pedagogicamente, com estrutura, interface com momentos fora do espaço físico da escola – mas não da educação – como museus, parques, exposições, cinema, teatro, shows, participação da comunidade na elaboração, implementação, execução e avaliação das atividades curriculares e processo de ensino/aprendizagem voltado ao cotidiano em vez da pedagogia tradicional travestida de data show, por quê o estudante iria querer ficar fora dela? Por quê iria ser necessário um chip no uniforme?

Central que detecta a entrada e saída de estudantes. Agora os bedéis (monitores que vigiam quem mata aula) perderam o emprego!

Imagine que você é pai ou mãe de um estudante na faixa de 15 anos, do primeiro ano do ensino médio. Sempre que seu filho entra ou sai da escola, seu celular recebe uma mensagem: é o aviso de que ele entrou ou saiu da escola, através de um chip que faz parte do uniforme e uma central de monitoramento que fica no portão do recinto educacional. Genial? Não, apenas mais uma forma de vender uma tecnologia que promete ajudar na educação, mas que terá como único efeito a retaliação. Ainda não foi divulgado qual é a empresa que vai ganhar a bufunfa para implantar esse sistema, mas pra fugir do argumento que o chip “só” seve pra isso, já prometeu aumentar a frente de capital e oferecer outros serviços como acompanhamento do boletim – como se não fosse mais fácil e gratuito manter o boletim no site da escola ou criar reuniões periódicas de acompanhamento pedagógico presencial! É provável que o (des)governador petista ONGnelo Queiroz adote o sistema para todo o DF, pois pintou alguma oportunidade de gastar dinheiro e que não seja com educação, ele faz de tudo para conseguir. Até porque isso vai gerar alguma mediação, mesmo que simbólica, com os pais de estudantes, o que o governo lê como votos na próxima eleição. Muitas discussões poderiam ser feitas a partir dessa vigilância on line, como por exemplo, “poderiam quebrar a central portão que lê os chips” ou “uma outra pessoa entra com o uniforme de um faltante” ou até mesmo “a melhoria do controle do fluxo de pessoas na escola”. Infelizmente, nenhuma delas é a questão central desse debate, pois são todas observações secundárias.

Não estamos a falar de algo de um futuro muito longe, mas do presente. O Centro de Ensino Médio 414 de Samambaia, região administrativa (bairro) do Distrito Federal, já implementou o uniforme com o chip, fato que foi amplamente noticiado pela mídia. Ora, é claro que o sistema é falho por alguns dos motivos apresentados no início desse texto. Para além disso, qual o objetivo do chip? É manter os pais informados da entrada e saída da escola? Mas é claro que os adolescentes querem entrar na escola. Alguém duvida disso? Por qual motivo um jovem iria querer matar aula? Pois é, se você tem certeza que os estudantes não querem ir pra escola – e eu também tenho –, podemos chegar no seguinte raciocínio: os jovens que entram com chip na escola não veem a hora de passar no portão de novo sair dela!

A questão de fundo que está por trás disso tem a ver com a relativa independência cada vez maior da mulher ocorrida principalmente no fim do século XX. Ela, a dona-de-casa, agora não acompanha mais os filhos no deslocamento pra escola, tampouco tem tempo para saber da outra dona-de-casa quais são as novidades dos meninos que jogam bola na rua, dentre elas, quem “cabulou” aula. O sistema capitalista imprimiu à sociedade brasileira a necessidade das mulheres deixarem o ambiente privado e saírem na busca de complementar o orçamento familiar. Em outras palavras: estava faltando passarinho voando pra trazer minhoca para o ninho. Nesse tempo, sobrou para o contra turno de crianças e jovens serem educados por uma mídia extremamente conservadora, que não perdeu tempo em anunciar a “novidade” dos chips no uniforme com muito entusiasmo. Desse modo, é bom que tenhamos isso claro: a ausência da educação familiar, entendendo família no sentido social (quem convive com o educando, que pode ou não ser a família biológica), transferiu para a escola muitas responsabilidades e por conseguinte a irresponsabilidade da mídia para nossos jovens. E quando se está em casa sem os pais, basta escolher um canal e mesmo sem perceber ser educado pelo que há de pior na TV, pois nem os programas educativos que por lei devem compor uma parte mínima da programação das emissoras são cumpridos.

É certo que no Brasil os jovens que se encontram no ensino médio tem mais anos de escolarização formal do que os pais, pois esse é um dado que cresce exponencialmente no país. Porém, ter mais anos de escolarização não significa necessariamente ter aprendido mais. Também não é exclusividade do século XXI ser a escola um espaço ruim, sem amizade, sem significado e significância, em que se tente tapar o problema da não atratividade da sala de aula com um chip. Se a escola é interessante, com professores motivados salarial e pedagogicamente, com estrutura, interface com momentos fora do espaço físico da escola – mas não da educação – como museus, parques, exposições, cinema, teatro, shows, participação da comunidade na elaboração, implementação, execução e avaliação das atividades curriculares e processo de ensino/aprendizagem voltado ao cotidiano em vez da pedagogia tradicional travestida de data show, por quê o estudante iria querer ficar fora dela? Por quê iria ser necessário um chip no uniforme?

Michel Foucault

Michel Foucault jamais pensaria que o controle fosse alcançar formas tão avançadas. No livro Vigiar e Punir, de 1975, o filósofo francês estabelece que as instituições que pretendem disciplinar devem fazer duas coisas, a saber: a) controlar os corpos dóceis através da observação e registro; e b) proporcionar a internalização da individualidade disciplinar nesses mesmos corpos sob seu controle. De outro lado, a educação bancária de enxergar no educando um depósito do que não lhe interessa, ou do que lhe interessa mas não na forma como é ensinada – um problema de metodologia de ensino –, ainda dá as cartas nas escolas.

Paulo Freire

Para além disso, como ensinou o educador Paulo Freire, o gene do opressor também reside no oprimido, o que significa que a educação bancária faz escola! Quando não são chips no uniforme, é a escola que se confunde com academia de ginástica e manda colocar uma catraca eletrônica com reconhecimento de digital. Foi o que aconteceu com uma escola do Guará, outra região administrativa do DF. O próximo passo deve ser o reconhecimento de íris. A única coisa que não é reconhecida é o fato de que a escola não é um espaço educativo para os jovens, que eles reconheçam como importante e defendam como à um amigo, ao videogame, à pista de skate, ao shopping ou qualquer outro local que identifiquem como “legal”, “massa”, “muito doido véi”. Obviamente não é o caso de dar uma de Ministério da Educação e culpar os professores, que são as pessoas que ainda seguram o pouco que resta de qualidade na educação brasileira. É, sim, o fato de integrar escola e comunidade, ciência e senso comum, estudante e professor, ao invés de insistir no erro de enxergar uma escola de qualidade em Parâmetros Curriculares Nacionais desatualizados ou num chip de controle de entrada e saída da escola. Estar com o corpo presente na sala e a cabeça em qualquer lugar continuará sendo a regra, pois isso o chip não conseguiu resolver e pode até piorar os conflitos.

Realmente o chip no uniforme causou uma revolução na educação: o controle via SMS, ou seja, não saímos do mesmo ponto, pois os jovens continuam sem querer ir pra escola. É nosso atestado, repito, nosso, não só do Centro de Ensino Médio 414 da Samambaia, da incompetência de termos alternativas viáveis e não punitivas para a juventude do DF. Vamos torcer pro aparelho não dar problema e vermos os jovens que estavam assistindo aula, mesmo que sem interesse, apanharem porque o celular dos pais não recebeu mensagem da entrada. Nossa revolução do momento é como a música de arrocha que não para de tocar nas baladas: 180, 180… 360.

Sobre ayanrafael

Pedagogo, Assistente Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Trabalhou como técnico-administrativo na Universidade de Brasília, como Professor de Atividades da SEEDF (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal) e atualmente é Especialista Socioeducativo - Pedagogo na Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, lotado no Centro Integrado 18 de Maio.
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Uma resposta para Escola ou prisão? Seu filho à um bip de distância… e muitos abraços também!

  1. Rodolfo Godoi disse:

    Eu morava do lado dessa escola. Lembro que quando consgeui uma bolsa numa escola no Plano Piloto, além de adorar estudar lá por toda a questão simbólica que isso tinha, achava demais que no caminho do metrô até a minah escola tivessem um milhão de arvores lindas e bem grandonas e coloridas, e que achava demais poder ler um livro debaixo da copa da unica arvore da escola. E pra mim, muito se resumia a isso: a vontade de estar na escola era movido por estar num lugar agradavel e bonito, o resto era bem parecido, pelo menos naquele momento.

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