Calourada UnB 2012: estudando a mais-valia na prática.

Fonte: http://www.fabiosalvador.com.br/fotos/unicamp.jpg (acesso em 05/04/2012)

Oi pessoal.

Bem, tem muito tempo que não escrevo sobre o Movimento Estudantil (ME), mas diante do que saiu no site da UnB dia 03/04/2012, tinha certeza que isso seria debatido nas listas de e-mail e redes sociais com mais frequência. Portanto, para quem está fora do assunto e pretende entender o que está posto, segue o link da reportagem da Secretaria de Comunicação da UnB:

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=6417

Confesso que esperava que mais pessoas se manifestassem, mas pelo que vi ou as pessoas concordaram passivamente com isso (COM ISSO!) ou então, mesmo não concordando, permitem que tudo aconteça sem falar nada (o que é mais preocupante, pois demonstra uma apatia que não possibilita revelar a passividade, como no primeiro caso). É a história do “o que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.

Ah sim, já ia esquecendo-me de que antes de escrever algo sobre o ME da UnB, temos que inserir alguns elementos, digamos, pré-textuais, como que justificasse e aumentasse a minha credibilidade para se posicionar sobre o assunto. Então aqui estão as minhas:

1- Não estou no Movimento Estudantil da UnB desde 2008, quando me formei em Pedagogia, e depois que entrei pra Serviço Social em 2009 nunca mais quis participar de nenhuma chapa de CA ou DCE, por achar que o ME tem que se renovar e evitar alguns vícios de estudantes profissionais (embora em alguns momentos seja importante a presença de estudantes veteranos para algumas questões, mas isso é muito pouco mesmo);

2- Apesar de ter votado na Chapa 5 (que ficou em segundo lugar) na última eleição (2011), sem colocar adesivo ou declarar qualquer tipo de apoio, fui totalmente contra quando chegaram a ventilar a possibilidade de um segundo turno, mudando as regras da eleição no meio do processo;

3- Não sou do tipo que acha que a direita planeja uma bomba atômica dentro do DCE e quer dizimar a esquerda de qualquer forma, mas sim que tem sua argumentação para definir vistas de ponto diferentes do que pensamos de sociedade (e isso se reflete em debates como criminalização do aborto, presença da PM no Campus, Cotas, Paridade etc);

4- Não sou oposição, apoio, situação nem nada ao DCE!

5- Não tenho empresa de festas e nada contra a Vaca Entretenimento, empresa que “ganhou a licitação de boca” para organizar a calourada da UnB no 1/2012.

Bem, agora que levantei alguns ELEMENTOS DE ENTRADA, com o psiquê dos(as) leitores(as) mais tranquilizado, com a mente mais “aberta”, fica mais fácil de fazer a argumentação. Não é assim? É como o Timothy, ex-reitor da UnB, que não começava uma fala sem uma piadinha e na hora que ainda estávamos rindo ele começava a discursar com seus posicionamentos inaceitáveis. Ok, então vamos lá.

DA CONCEPÇÃO

Por quê se faz uma calourada? O objetivo da calourada não pode deixar de ser o da integração e passar a ser o de ganhar dinheiro. Vejam bem: não disse que não se possa ganhar dinheiro! Apenas mudei a ordem dos fatores e, ao contrário das ciências exatas, aqui a ordem dos fatores altera o produto. Se bem que parece mais algum novo ditado do tipo “a ordem dos produtos altera o produto”, para quem não consegue ver nada além de dinheiro à sua frente.

Quando o objetivo é ganhar dinheiro, qualquer que seja a parte que vai lucrar, a integração, a recepção, a festa de boas vindas, tudo o que se pensa em termos epistemológicos de acolhimento à calouros(as) cai por terra. A contra argumentação disso JAMAIS vai ser a de que calourada é sim pra ganhar dinheiro. Isso nunca irão dizer abertamente. O que irão dizer é: podemos fazer integração e ganhar dinheiro. Ótimo, concordo, mas não é o que está posto. Não se pode utilizar de uma justificativa de uma calourada de integração para promover uma calourada da terceirização, vale lembrar, uma das únicas, senão a única da UnB. Se antes os empresários já se contentavam em vender seus produtos para um público universitário altamente consumista, agora descobriram o caminho das pedras: podem eles lucrar bem mais com a venda de ingressos e outros bens, fora o currículo de ter organizado a calourada de uma das principais universidades do país!

E ainda há quem diga que não é terceirização. Vários serviços prestados pelo governo são terceirizados: contrata-se uma empresa para executar ordens dos gestores da cidade, ainda que nem sempre isso seja dessa forma. Ao que tudo indica, a fetichização do produto Calourada 2012 supera tudo, até mesmo a dignidade de responder negativamente à proposta.

SE DAVID RICARDO ESTIVESSE VIVO DIRIA À FRIEDMAN: COMO NÃO PENSAMOS NISSO ANTES!

 

A fórmula da calourada é simples: eu ganho, vocês ganham, todo mundo ganha e vamos fazer uma festa bem bonita para todo mundo, com bastante participação de todos e o melhor, sem riscos para os centros acadêmicos (CAs)! Ora, utilizando-se do terrorismo de que não há risco para os CAs, influenciado principalmente pela lambança feita na calourada de 14/05/2011, que gerou um prejuízo imenso, agora a argumentação é o seguinte: “no mínimo, no mínimo, todo mundo se diverte e não vai perder nada”.

Não há risco para os CAs? Não vão perder nada? E por um acaso é o dinheiro o bem mais precioso que um CA pode perder?

Bem, a calourada de 2010 gerou R$ 4.100,00 de lucro para cada Centro Acadêmico. Foram os CAs que organizaram, que escolheram quem iria tocar, até que ponto iriam colocar o alambrado, o valor do ingresso, as bandas locais etc. Numa festa terceirizada, alguém acha que está pagando para uma pessoa trabalhar para o DCE? Por quê uma empresa, que por um lado assume todos os riscos da festa e, por outro, lucrará 55% da empreitada (é um bom adjetivo), deixaria que o DCE (quiçá os CAs) decidirem o que é melhor para a festa? É claro que isso não irá acontecer. Completando a conta: 20% do lucro ficará com o DCE, 20% para os CAs (são 33 ao que consta na reportagem da SECOM/UnB) e 5% para a UnB, que deve ser uma espécie de FAI (Fundo de Apoio Institucional), agora que a calourada virou uma empresa júnior. Nada mais justo uma universidade que, pelas páginas da Veja é o madraçal do planalto, no mundo real estimula a competitividade sem ética entre os discentes. Então aí está o resultado prático dessa política: se vão lucrar, separa uma pontinha pra nossa querida universidade! Então ao invés da venda de ingresso ser motivada pela integração de veteranos(as) com calouros(as), está dada a largada para ver quem vende mais ingressos porque quanto mais dinheiro entrar, mais os CAs vão ganhar (mas esquecem que quem ganha 55% não é nenhum centro acadêmico). Vamos colocar em termos práticos:

 CENTRO ACADÊMICO, AQUI ESTÁ O SEU “RISCO”: VIRAR UMA PIADA NACIONAL!

Para quem cada um dos 33 CAs ganhe metade (eu disse metade) do que lucrou na calourada 2010, ou seja, R$ 2.050,00, a festa tem que ter um lucro de R$ 338. 250,00. Dos R$ 338.250,00, assim ficaria a repartição:

Vaca Entretenimento: R$ 186.037,50

DCE: R$ 67.650,00

33 CAs: R$ 67.650,00 (R$ 2.050,00 para cada CA)

UnB (também é filha de Deus): R$ 16.912,50

 

Ou seja, somente se a calourada der R$ 676.500,00 de lucro, portanto mais de meio milhão de reais, você receberá o mesmo que na calourada de 2010, e tudo isso sem entrar com nada, que maravilha. Mais três calouradas e não precisa nem inscrever a Vaca Entretenimentos no Big Brother Brasil, pois vai ganhar mais sem nem precisar mostrar o bumbum, que maravilha!

 

Então parece que agora o terrorismo do “sem risco algum pra você meu chapa!” começa a fazer sentido. Uma empresa externa à universidade, que não tem compromisso em comprar um sofá, uma TV, de promover uma integração entre estudantes do curso, vai receber R$ 186.037,50. Você, Centro Acadêmico, pobre mortal, não vai ter risco nenhum, mas sim a garantia de receber R$ 2.050,00 sem fazer nada, quando em 2010 recebeu R$ 4.100,00 para assumir riscos.

O que não entendo é que na época da eleição vi um panfleto da chapa que ganhou que dizia que o DCE seria participativo, que iria instituir o parlamentarismo como forma de horizontalizar as decisões. O fato é que com vários estudantes do direito, o DCE pecou num dos 5 principais fundamentos da administração pública: o da publicidade de seus atos. Poderíamos falar também da impessoalidade, legalidade, moralidade e eficiência, mas vamos nos ater somente à publicidade. Não existe absolutamente NENHUM documento que comprove uma convocatória do DCE para empresas que queiram organizar a calourada. Isso, por si só, já revela um corte de propostas e uma tendência a chamar quem se conhece. Claro: não dá pra ligar para uma empresa que não se conhece. Mas como é um DCE que não administra nada público, só uma calourada privada, as regras devem não valem.

Caros(as) colegas da UnB, vamos responder com sinceridade nesse momento. Se fosse para ter uma calourada como a de 14/05/2011, em que cada CA arcou com R$ 750,00 e perdeu esse dinheiro, mas deliberou sobre toda a construção da festa, não seria melhor? O maior “risco” assumido na calourada de 2010 foi morrer de hipotermia pegando cerveja numa tina! Não tem ninguém que tenha trabalhado naquela calourada de 2010 que esteja mutilado, com transtornos psíquicos ou algo assim por ter trabalhado na calourada. Pelo contrário: estudantes se conhecem quando trabalham juntos, fazem amizades com outros cursos, são incentivados a fazer churrascos de 2 ou mais cursos juntos, e nem por isso deixaram de aproveitar a festa. Em todas as calouradas os CAs sempre souberam que há risco, e nem por isso deixaram de fazer. Agora, ainda que os riscos sejam os mesmos, a forma de agir mudou. O terrorismo de não ter que entrar com dada gerou uma disparidade gritante entre a empresa que organizará a festa e centros acadêmicos.

Umas vezes tiveram lucro, em outras prejuízo, mas a calourada sempre foi organizada por estudantes para estudantes. Mesmo em prejuízos maiores do que aqueles de 2010, quando os CAs perderam R$ 750,00, não se pensava em atribuir uma tarefa que é de competência do DCE com CAs para outrem, isso não se resolve assim. Que diabos de “risco” é esse que além de terceirizar a maior festa de entrada de calouros(as) na universidade coloca 55% do lucro nas mãos de uma empresa enquanto os CAs vão se humilhar para pegar uma sobra de 20% da farta mesa?

UM APELO CONTRA A PPP DA CALOURADA UnB 2012!

Em 2010 colaborei com estudantes de Pedagogia na organização do ENEPe (Encontro Nacional de Estudantes de Pedagogia), que ocorreu na UnB. Até aquele momento ainda rondava o pesadelo do ENEPe de 2008, em Vitória/ES, que deu um prejuízo de R$ 27.000,00. Poderia eu e outros colegas, uns formados e outros não, que estavam mais presentes no processo ter proposto uma parceria (público privada sem CNPJ J) para o Centro Acadêmico de Pedagogia (CAPe), mas não, isso jamais foi cogitado por nenhum de nós e tampouco pelo CAPe. Bem, o final da história é que o ENEPe 2010 deu pouco mais de R$ 45.000,00 de lucro, dos quais nenhum dos organizadores viu um centavo sequer: foi 35% para o CAPe, 35% para o ENEPe 2011 da Paraíba e 30% para a Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia (ExNEPe). Detalhe: ninguém nunca tinha organizado nada além de um congresso para 300 pessoas em 2005, e assumimos a tarefa por um comprometimento com a Pedagogia, com a Faculdade de Educação, local que nos formou (e para outros estava e está a formar). Não faltou papel higiênico, teve R$ 350,00 de ajuda de custo pra cada banda ou artista que se apresentou, único ENEPe que teve casal de brigadistas, 10 chuveiros quentes. Os 2 alojamentos, Renato Russo (Faculdade de Educação) e Cássia Eller (CEAN), tinham vida, com atividades a todo momento, homenagem à homossexuais que saíram de suas cidades, adotaram Brasília e construíram suas carreiras aqui. Não houve nenhum centavo de investimento de empresas privadas, como fundações, energéticos, cervejas, lojas de óculos escuros. Houve patrocínio da UnB e sindicatos de professores. Repetindo: R$ 45.000,00 de lucro. Se dava para ter mais lucro com isso, nós mesmos temos certeza, visto o nosso amadorismo em perder dinheiro com coisas triviais.

Pergunto: por quê com a calourada é diferente? Novamente reitero o olhar para a questão do “risco” que os CAs teriam em organizar a calourada. Não vejo “risco”, mas sim um “riso” da mesa da empresa que organizará a calourada, ganhando milhares de reais e jogando as migalhas para o chão em que os CAs se estapeiam para pegar metade do que ganharam em 2010 (mas tudo isso sem entrar com nada, claro). Volto à pergunta do início:

Não há risco para os CAs? Não vão perder nada? E por um acaso é o dinheiro o bem mais precioso que um CA pode perder?

Onde está a integração da calourada? Onde está a interseção de estudantes que trabalham no bar com os que colaboram na segurança, na ornamentação, na limpeza, na alimentação? Ou agora a empresa manterá o mesmo tipo de configuração de trabalho para aumentar o lucro dos CAs (e os seus também, claro)?

MORAL DA HISTÓRIA

Se o ingresso da calourada for R$ 10,00, o que seria muito barato, R$ 5,5 vai para a Vaca Entretenimento, R$ 2,00 pro DCE, R$ 0,5 pra UnB (reitoria) e R$ 0,06 centavos para cada CA. Com um ingresso vendido a R$ 10,00, eu disse UM ingresso, uma empresa ganha mais do que um estudante Grupo 1 utiliza para almoçar e jantar durante toda uma semana (R$ 0,50), enquanto que um Centro Acadêmico, organização coletiva e interna à universidade, ganha R$ 0,06 (dá pra rifar uma balinha 7 Belo).

Eu já tomei uma decisão: depois de muito tempo me divertindo com professores, técnicos-administrativos e principalmente estudantes na calourada, não vou à festa desse ano.

Não vou fazer campanha de boicote, de adesivo contra calourada, ato contra terceirização das festas, bater panela no ICC, nada disso. Apenas não vou. Não posso contribuir com essa humilhação de centros acadêmicos, de estudantes mesmo, da universidade que tanto amo, com todos os problemas que tem. Pode não fazer falta, pode ser que a festa lote, mas não estou falando disso, não me importa que dê muita gente, mas eu não teria a minha consciência tranquila para aproveitar uma festa em que eu olhe para cada pessoa dentro do Centro Comunitário e visualize o que ela pagou sendo revertido em bonança à uma empresa e subserviência à 33 centros acadêmicos.

Sobre ayanrafael

Pedagogo, Assistente Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Trabalhou como técnico-administrativo na Universidade de Brasília, como Professor de Atividades da SEEDF (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal) e atualmente é Especialista Socioeducativo - Pedagogo na Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, lotado no Centro Integrado 18 de Maio.
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5 respostas para Calourada UnB 2012: estudando a mais-valia na prática.

  1. Oi disse:

    Em 2010 quantos CA`s participaram? Aposto que não foram 33. É bem óbvio que não dá para fazer essa rasteira comparação.

    Você bate na tecla que dinheiro não é o objetivo, mas a sua argumentação final vem exatamente na linha da divisão dos lucros.

    Ninguém menciona que há a Calourada Brasília sendo realizada com apoio dos CA`s que fazem oposição ao DCE. Qual a diferença das calouradas para se apoiar e vender ingressos para uma e para a outra não?

    Coerência mandou lembranças!

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  2. Anna disse:

    1. Só o fato de você escrever esse texto e publiciza-lo, já é uma campanha contra a calourada, então não tente bancar a pessoa isenta.
    2. Realmente, os CA’s não vão ter o mesmo lucro que dá época que você citou, mas eu te pergunto, quantos CA’s participaram? Quais eram os requisitos para participar? Foi realmente esse o lucro para todos os CA’s?
    3. Não existe esse tal Vaca Entretenimento, se existir me apresente.
    4. O mais importante da calourada não é o lucro, mas sim a integração, como você mesmo disse, mas ao final do texto não parece que isso é realmente o que você acha que deve ser uma calourada.
    5. Não há nada de errado em vender ingressos, aliás a integração no caso da calourada se dá também quando o CA vende o ingresso para seus estudantes e depois se encontram na festa para poderem comemorar sem precisar se preocupar com questões administrativas durante a festa.
    6. A Calourada UnB tem uma má fama tão grande, que a maior dificuldade é desfazer essa má fama, e não convencer a oposição que suas ideias em relação a calouradas são caducas.

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  3. andregoes disse:

    Ayan,

    Parabéns pelo texto lúcido, como sempre. Mas você esqueceu que os CAs vão receber 10% das receitas brutas. Na verdade, se os excedentes primários forem R$ 338.250,00 – como você propõe – e os custos forem de R$120.000,00, os CAs vão receber 10% de 458.250,00, ou seja, mais 45.825,00 pra essa conta.

    Assim sendo, seriam

    Custos Operacionais (Vaca Entretenimento): R$ 186.037,50

    Movimento Estudantil: R$ 198.037,50, sendo
    – DCE: R$ 67.650,00
    – 33 CAs: R$ 113.475,00
    – Fundo Institucional: R$ 16.912,50

    Ou seja, o ME recebe mais de 50% dos excedentes sem colocar um centavo de investimento.

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