Recepção aos Calouros como espaço de convivência e transformação

Trote Solidário da UnB realizado na Estrutural: um exemplo de integração entre veteranos, calouros e principalmente comunidade. Foto: Associação Viver

oi pessoal,

 

abaixo segue artigo de 3 colegas da Universidade de Brasília, que relatam a experiência do trote solidário no curso de Pedagogia, com uma perspectiva completamente diferente do escárnio de trotes tradicionais. Serve para refletirmos um pouco do papel nefasto que alguns veteranos fazem com calouros e mostrar uma alternativa concreta e que integra bem mais os estudantes. Para fazer o download do artigo em Word, clique aqui!

 

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

 

Recepção aos Calouros como espaço de convivência e transformação

 

GABRIELA FREITAS DE ALMEIDA

MÔNICA PADILHA FONSECA

RAFAELLA SOUZA CERVEIRA

 

 

Resumo

 

    A Recepção aos Calouros da Pedagogia da UnB é realizada pelos veteranos do curso desde 2001. São realizados encontros de organização, uma Semana de Recepção ao Calouro, e atividades ao longo do semestre. Ao final desse processo, percebe-se formação de grupos onde as diferenças e identidades são reconhecidas e respeitadas. O caráter ético, solidário, crítico e humano dos participantes se fortalecem e a prática coletiva e democrática se efetiva dentro dos espaços propostos.

 

Palavras chave: Trote, humanização, mudança social

  

Recepção aos Calouros como espaço de convivência e transformação

           

            A Recepção aos Calouros de Pedagogia teve início em 2001, pela percepção da necessidade de acolhimento aos estudantes ingressantes e de combater o trote violento. Os veteranos do curso de pedagogia da UnB buscavam maneiras de articular os estudantes com a universidade e entre si, num coletivo capaz de modificar a realidade com a participação de todos.

A Recepção aos Calouros se iniciou tímida, com apenas uma atividade, e foi ocupando espaços e apoios dentro da Faculdade de Educação da UnB, sendo realizada mais tarde nos três turnos e com 120 calouros semestralmente. A todo semestre o grupo se refaz, estudantes se inserem e saem do processo de organização da Recepção, o que possibilita novas reflexões e críticas.

    Acreditamos que a Recepção se aproxima do sétimo Saber: A ética do gênero humano, pois contribui para:

  • Trabalhar para a humanização da humanidade;
  • Respeitar no outro, ao mesmo tempo, a diferença e a identidade quanto a si mesmo;
  • Desenvolver a ética da solidariedade;
  • Desenvolver a ética da compreensão;
  • Ensinar a ética do gênero humano.

A Recepção aos Calouros atua também na busca pelas melhoras possíveis, a partir de atividades que poderiam “tratar do processo multidimensional que tenderia a civilizar cada um de nós, nossas sociedades, a Terra” (MORIN, 2000, p. 114). Ela busca a transformação do individuo para que se amenize a barbárie, a dominação e opressão humana no nosso planeta.

 

Objetivo geral

  • Criar espaços que favoreçam o diálogo horizontal entre as pessoas como condição da solidariedade intelectual e a compreensão mútua da humanidade pela ética e democracia.  

Objetivos específicos

  • Combater os espaços de violência e a opressão do veterano contra o calouro, por meio de uma vivência pedagógica reflexiva;
  • Integrar os estudantes e familiarizá-los com as discussões acadêmicas, políticas e sociais que permeiam o curso de pedagogia e a universidade;
  • Desenvolver a autonomia e a solidariedade dos estudantes recém ingressos na universidade;
  • Possibilitar a construção de coletivos, incluindo os espaços do Movimento Estudantil,  a partir de diálogos emancipadores entre os estudantes;
  • Suscitar a auto-estima do futuro pedagogo e a valorização da educação.

Descrição dos processos e da intencionalidade da Recepção:

 

Etapa 1: Reflexão e Organização coletiva das atividades de Recepção aos Calouros

    Esse espaço é iniciado com uma avaliação da edição anterior da Recepção e onde são colocadas as expectativas futuras. Ele serve para reconhecimento e integração da nova comissão, tendo duração de duas à quatro horas semanais para organização das atividades. Assim, os futuros pedagogos refletem sobre ações da recepção, seus significados, suas dimensões e características, além de temas relevantes a formação para a futura atuação. Exercem uma prática de planejamento e juntos pensam sobre os desafios levantados pelos atores da última vivência e como superá-los.

 

Etapa 2: Atividades pré-recepção

Reunião pré-matrícula

Dinâmicas empregadas: Esse evento é realizado pela direção da Faculdade de Educação da UnB juntamente com a comissão organizadora da Recepção. O convite aos calouros é realizado por cartas individualizadas. Após a reunião, os veteranos do curso auxiliam os calouros individualmente, tirando dúvidas e ajudando na execução da matrícula.

Objetivos: Visto que o novo estudante geralmente desconhece os processo de matricula, o currículo e possibilidades de atuação, essa atividade tenta informar e esclarecer dúvidas comuns à matrícula, ao curso de Pedagogia, às instâncias da faculdade e da universidade, aos serviços que oferecem; além da reflexão sobre o sentido de estudar numa universidade pública.

Recursos: Materiais informativos

Duração: 3 horas

 

Etapa 3: Semana de Recepção aos calouros

            Ocorre na primeira semana de aula, no espaço das disciplinas voltadas para os calouros nos três turnos.

Professor carrasco

Dinâmica Empregada: Consiste em uma encenação onde um estudante, se passando por professor, teria postura de um “carrasco”, ditando regras e tomando atitudes autoritárias. Num segundo momento, após um possível impacto, essa encenação se transformaria em uma discussão em torno da postura dos agentes sociais dentro desse e outros contextos acadêmico.

Objetivo: Descontrair o espaço, assim como introduzir questões político-acadêmicas referente a passividade dos estudantes, e da postura do professor, principalmente em uma faculdade de educação onde a metalinguagem é constante.

Recurso: Estudante-ator.

Duração: 3 horas

Passeio pelo campus (tour)

Dinâmica Empregada: Os veteranos-guias levam o grupo de calouros para conhecer pontos importante na universidade.

Objetivo: Situar o calouro dentro do campus, mostrando locais (DCE, Reitoria, Biblioteca, Restaurante Universitário e demais faculdades), sua história, suas funções e possíveis problemas, realizando uma análise crítica sobre a forma de funcionamento da universidade.

Recursos: Recomenda-se o uso de calçados para caminhada, garrafa d’água. À noite usa-se tochas ou lanternas.

Duração: 4 horas.

Atividade Artística

Dinâmica Empregada: Os veteranos apresentam uma atividade artística, com músicas e poesias para os calouros, com temas ligados à sentimentos e política.

Objetivo: Trazer a tona que todos somos seres com sentimentos múltiplos, que não se contrapõem a razão, e nos completamos ao demonstrar as emoções comuns nessa nova fase da vida. A atividade também contrapõe a visão de outros trotes  uma vez que não é o calouro que se expõe, mas sim o veterano, sendo essa exposição sempre uma vontade da pessoa, e nunca uma obrigação e consequência de coação.  

Recursos: Violão, poesias impressas, equipamento de projeção de imagens e frases

Duração: 4 horas

Cine-debate

Dinâmica Empregada: São exibidos filmes que geram discussões sobre diversos assuntos, ligados à história da UnB, Brasília, Movimento Estudantil ou Educação. Sugerimos os seguintes filmes: “Barra 68”, “Sociedade dos poetas mortos”, “Pro dia nascer feliz”, “Verônica”, “Conterrâneos velhos de guerra”, “O Sorriso de Monalisa”. Lembrando que os assuntos discutidos após o filme podem surgir dos próprios calouros sem estarem estabelecidos previamente.

Objetivo: Inserir o calouro em um ambiente de reflexão, onde ele possa ser sujeito crítico e reflexivo, reafirmando o poder de fala de todos.

Recurso: Televisão ou telão com retroprojetor, aparelho de DVD e filme.

Duração: 4 horas.

Corrida das Fotos

Dinâmica Empregada: A turma é dividida em grupos de aproximadamente 6 calouros e 1 ou 2 veteranos-instrutores. Cada grupo recebe uma foto de um local da Faculdade de Educação, achando o local da foto, procura-se um envelope com outra foto. Para abri-lo precisa-se fazer uma dinâmica e só após ela o grupo prossegue para o próximo local da foto. Isso ocorre até todos os grupos chegarem à última foto, que é um local comum a todos os grupos e onde é realizada uma dinâmica coletiva e avaliação da atividade.

Objetivos: O objetivo dessa atividade é inserir o calouro na realidade da Faculdade, mostrando os lugares físicos como o centro acadêmico, a direção, secretarias, salas de projetos de pesquisa e de extensão, laboratórios, entre outros. Promove também o entrosamento do grupo, descoberta de afinidades pessoais; incentiva a inserção em projetos de extensão e pesquisa e a reflexão sobre a inclusão e tolerância a partir das dinâmicas realizadas nos subgrupos.

Recursos: fotos de diferentes locais da Faculdade, instrutores com a relação das dinâmicas e materiais (papel, caneta, tiras de pano).

Duração: 4 horas.

Etapa 3: Continuidade

Projeto 1

A partir da necessidade de dar continuidade a Recepção aos Calouros, optou-se pela participação de veteranos num espaço já existente no curso de pedagogia da UnB: o Projeto 1. O espaço faz parte do currículo do curso e objetiva o reconhecimento da universidade e da profissão, tendo encontros semanais de 4h durante todo o semestre e sendo obrigatório aos calouros. O trabalho conjunto de veteranos e professores da disciplina, significou a possibilidade de reconhecimento de pontos de vista diferenciados sobre os temas tratados; a divulgação da idéia de que os estudantes, embora sem a formação específica, têm um conhecimento aprofundado sobre a universidade e seus espaços; e o estreitamento dos laços entre veteranos e calouros.  

 A Recepção aos Calouros como espaço natural da aprendizagem, do lúdico, do engajamento pela reforma do pensamento e da ética da solidariedade.

 A Recepção aos Calouros de Pedagogia da UnB nasceu a partir da necessidade concreta dos próprios estudantes de criar espaços de discussão e formação política dos estudantes que ingressavam no curso, tornando os temas e espaços mais familiares e qualificando as falas a partir do debate de idéias. Isso faz com que a motivação para a realização das atividades está na sua própria execução, tornando o espaço desejado pelos seus participantes.

Temas pouco tratados na universidade, e de importância ímpar na sociedade, tem seu espaço de aprofundamento, crítica, e ação na Recepção aos Calouros. Desses temas podemos citar o trote tradicional, uma vez que é inerente a ele um sistema de opressão, pois parte da hierarquização dos conhecimentos; a universidade pública, seu papel social, as políticas e filosofia que a regem e a responsabilização dos estudantes; e o papel de professor e estudante, no reconhecimento do ser humano  capaz da atuação nos espaços sociais.

O próprio espaço de vivenciar essas atividades também possibilita uma mudança de comportamento individual, coletivo e uma organização social através do coletivo. Possibilita a formação de grupos, de espaços de interação, preocupados em cuidar uns dos outros e do espaço em que se está e em possibilitar o crescimento individual.  

Por si só, essa prática é educativa, uma vez que possibilita o reconhecimento de espaços horizontais, reafirmando a idéia de que todos têm direito a voz e poder de decisão, independente do seu espaço na sociedade ou de serem calouros ou não, reafirmando o outro enquanto ser capaz e o diálogo. Prática essa fundamental ao trabalho de futuros professores, pois é essa relação que ele deverá manter no futuro, em seus espaços de atuação profissional.

 Avaliação

A avaliação de caracteriza por uma parte importante do projeto, pois possibilita  entender o erro como parte integrante da construção do conhecimento (MORIN, 2000). Essa reflexão dos acertos e erros é fundamental a partir do diálogo com os indivíduos das suas próprias percepções. É realizada ao final de cada atividade, onde todos os participantes e organizadores tem a oportunidade de se expressar de forma oral, escrita ou artística. Durante a avaliação, os objetivos d cada atividade são explicitados para que elas ganhem sentido. Essa discussão é rememorada e refeita ao inicio da realização da nova edição da Recepção aos Calouros, possibilitando pensar em novas maneiras de atuação.

 Bibliografia:

 BESSA, Dante Diniz. Homem, pensamento e cultura: abordgens filosófica e antropológica. Mimeo, 2005.

 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17a ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro; 2ª ed. São Paulo, Cortez; Brasília, UNESCO, 2000.

 VASCOLCELOS, Paulo Denisar. A violência no escárnio do trote tradicional:um estudo filosófico em antropologia cultural. Santa Maria, Universidade Federal de Santa Maria, 1993. 

Sobre ayanrafael

Pedagogo, Assistente Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Trabalhou como técnico-administrativo na Universidade de Brasília, como Professor de Atividades da SEEDF (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal) e atualmente é Especialista Socioeducativo - Pedagogo na Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, lotado no Centro Integrado 18 de Maio.
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Uma resposta para Recepção aos Calouros como espaço de convivência e transformação

  1. Rafinha disse:

    Chacrinha!!
    Muito legal seu blog, adorei!! São assuntos bem atuais!
    Ahhh , adorei que você publicou o nosso texto ;DD
    Abraços e sucesso!

    Curtir

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