É possível um brasiliense ficar 30 anos sem ir ao foguetinho do Parque da Cidade Sarah Kubitschek em Brasília?
Sim! Eu fiquei. As últimas vezes que vim à este setor do parque foram em 1988 para aprender a andar de bicicleta com meus pais e depois com Marcia Ayan, Tio Bruno O Mágico e Osmar Beserra Alves Dias para pedalar até o castelinho.
No mesmo parque, após 1988, já fui ao Kart Carrera, nas quadras poliesportivas, no Nicolândia, no campo de areia, no campo de grama (terra), na Escola das Meninas e dos Meninos do Parque, na Escola da Natureza, no Gibão, nas churrasqueiras, no Barulho, ja fiz cooper no maior percurso, fui ao show do Asa de Águia e na Expotchê no pavilhão, nos shows do Bel Marques e tributo à Tim Maia na Praça das Fontes, no pagode do Pirraça, andei de bicicleta de duas rodas (e de 4 rodas também), fora as vezes que matava aula no CASEB (Ensino Fundamental II – 1994 a 1997) e no Setor Oeste (2° e 3° anos – 1999 e 2000) pra ir beber embaixo das árvores perto do pedalinho ou da finada piscina com ondas. Quando tinha 15 anos, até passei pelo buraco na cerca que vai para o cemitério e fiquei com um grupo de góticos discutindo vida pós-morte (sempre com um pé atrás por achar que aquela maquiagem deles estava tão bem feita que eu poderia estar a falar com alguém que já se foi). Perdi a conta de quantas vezes peguei carona ao lado da “Igreja Baleia” pra ir pra casa do Lucas no Cruzeiro Velho, quase sempre descendo no Cruzeiro Novo e volta e meia destilando o preconceito típico dos juvenis da década de 1990: “acho que esse cara era gay, tava olhando pra sua perna, vi até que resvalou a mão quando foi passar a marcha”. Foi ali no Parque da Cidade a primeira vez que experimentei substâncias psicoativas sem o carimbo da ANVISA, sempre na onda de bancar o mais velho com o jargão “claro que já usei né véi?”.
Porém, lá naqueles brinquedos embaixo do foguetinho, ali, nunca mais fui. Volto agora após 3 décadas com minha esposa e filha, revivendo o que é o setor mais tradicional e que criou gerações nos brinquedos mais simples que resistem aos eletrônicos da atualidade. sexta-feira 13 de 2018! Pisar naquela areia é simbólico por saber que ela já foi por mim tocada há 30 anos, sendo que parte dela foi levada pra casa nos ferimentos com sangue dos tombos de bicicleta e na lágrima escorrida no rosto marrom de poeira. A mão direita do meu pai ia no guidão e a esquerda embaixo do banco, empurrando até que eu me equilibrasse por um milésimo de segundo. De novo. Outra vez. Pronto, agora eu já ficava 3 segundos e sorria dizendo que sabia andar, por mais que o tombo fosse maior.
Embora eu e minha esposa sejamos professores da rede pública do DF e façamos muitos passeios para o parque, geralmente eles são para o Nicolândia ou para a parte das quadras. Mas hoje foi a vez de minha filha Raíssa. Eu pensava alto:
“Vai lá filha, corre, se suja, brinca muito. Esta areia também é sua, como é de quem já se foi e de outras pessoas que virão. Vem aqui na arquibancada ver o palhaço, vem. Bem… melhor voltar pra areia porque esse palhaço é muito ruim. Você gosta de pipoca rosa filha?”.
A lanchonete com as máquinas de refrigerante que pareciam colmeias não existe mais. Restaram os banheiros, um bebedouro de desenho mais próximo ao do século XXI e aquele mar de pombos. E claro, ali, ao nosso lado, imponente, o foguetinho, observando tudo e todos. O foguetinho que, para adultos, nunca decolou, mas fez eu e outras crianças viajarmos pra onde queríamos em um simples piscar de olhos. Faça chuva ou faça sol, ele está lá, gratuito, full time, como o balão mágico da década de 1980 que cabia todas as crianças do mundo.
Como numa espécie de batismo do Parque da Cidade, Raíssa colocou areia na boca e ficou com cara de quem comeu jiló. Riu, correu, abraçou a mãe, o pai, fez pose para umas fotos, ignorou outras. Raíssa não foi ao foguetinho, mas fez o reconhecimento de terreno para a sua primeira viagem que será em breve. Sonhe Raíssa, porque infância é pra sonhar mesmo. Chegou sua vez de transformar cada grão de areia em uma história no parque e imaginar o que nem eu ou sua mãe ou qualquer adulto vai conseguir entender. Teu sonho é grande, é como o riso das crianças que brincam contigo: não tem fim. E quando souberes ler e se lembrar desse dia, espero ainda poder ter o prazer de dormir ao seu lado para quem sabe sonharmos juntos uma viagem no foguetinho.
Se você leu esta história até aqui é porque se emocionou e se reconheceu em algumas aventuras, lembrou de outras… Caso queira compartilhar seu momento comigo e outros leitores do blog, pode utilizar o espaço dos comentários para isso ou publique em seu site e me comunique. É sempre um prazer reviver o Parque da Cidade que existe em cada um de nós brasilienses natos ou adotados por este local mágico.
Muito bacana!!Realmente, esse foguetinho teria muitas histórias bacanas para contar das inúmeras crianças que já brincaram nele!!Quantas excursões já fizemos com os alunos da rede pública!Que bom que a Raissa aproveitou!! Divirta -se com sua filha, pois tão depressa ela também terá suas histórias para contar como Vc!! A infância é um período curto nas nossas vidas!!
CurtirCurtir
Verdade Maria do Socorro. Espero aproveitar muito com a Raíssa da mesma forma como meus pais aproveitaram comigo.
Abraços e obrigado pelo retorno.
Rafael Ayan
CurtirCurtir