Em defesa das cotas para a pós-graduação!

João Telésforo: um estranho no ninho na Faculdade de Direito da UnB.

Oi pessoal!

Segue abaixo um ótimo texto do João Telésforo Medeiros Filho, mestrando em Direito do PPGD/UnB. Num momento em que o Sistema de Cotas da UnB é atacado por revistas covardes como a Veja ou partidos mensaleiros como o Democratas, Telésforo, como é conhecido na UnB, não recua e vai para dentro da FD, reduto de Gilmar Mendes – contrário às cotas e mentor da advogada do DEM – para dizer que ações afirmativas somente na graduação é pouco, ainda mais quando se pensa somente em ações “afirmativas” (!) para filhos de diplomatas mas não para quem de fato necessita de inclusão.

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A “Escola de Direito do século XXI“, propõe o amigo Daniel Vargas, doutorando na Harvard Law School, deve ser global, criativa, colaborativa, abrir-se para o mundo e engajar-se socialmente nos problemas da realidade (com ênfase para o papel da prática nesse aspecto).

Concordo, essas diretrizes são essenciais e precisam ser priorizadas. Por isso, fiquei muito contente hoje ao saber do plano de criação de um edital para alunos estrangeiros para a pós da FD em breve. Na reunião do colegiado da pós hoje, deixou-se de aumentar ainda mais o número de vagas do próximo edital de seleção (que será agora de 40 no mestrado e de 20 no doutorado) porque já se contou com a reserva de algumas vagas para esse edital exclusivo para os alunos estrangeiros, que há de vir.

É uma grande notícia, tem tudo para se tornar realidade, e torço para que se concretize mesmo! Também na graduação, precisamos estabelecer uma política para fomentar que venham mais estudantes de outros países (tem vindo um ou outro para a FD-UnB, especialmente devido ao convênio firmado entre as supremas cortes do Mercosul e universidades das capitais desses países, mas é muito pouco ainda).

Por outro lado, considero que a “abertura para o mundo” de que precisamos abrange, sim, a abertura para a realidade internacional e o estímulo ao ingresso de alunos estrangeiros, mas também, de modo igualmente decisivo, a abertura para os vários “mundos” existentes dentro da nossa própria realidade, e o consequente estímulo ao ingresso do que Cristovam Buarque chama de “instrangeiros“. Isto é, estrangeiros nascidos por aqui mesmo; estrangeiros porque excluídos do nosso mundo, não compartilham da mesma comunidade social, vivem em uma outra realidade. Falam inclusive outros idiomas, em variados aspectos.

Nesse sentido, da mesma forma como acho justo, legítimo, positivo e necessário reservar vagas (cotas) para alunos estrangeiros, considero justo, legítimo, positivo e necessário reservarmos vagas também que dêem conta de pluralizar nossa Faculdade e nosso programa nesse aspecto social. Uma Faculdade de Direito – bem como um Programa de Pós-Graduação em Direito – deve formar gente poliglota em várias línguas, mas também poliglota dentro de uma mesma língua, a nossa. Trazer a diversidade de mundos sociais existentes para dentro da universidade é fundamental para que ela se abra ao mundo e seja capaz de inovar; onde há diversidade, há muito maior tendência à criatividade. Ademais, a inclusão dos “instrangeiros” poderia incentivar a produção de conhecimentos e a formação de pessoas na universidade mais responsivos às demandas e problemas dos setores excluídos e pouco ouvidos de nossa sociedade. (Ressalto que há outras formas de promover tal diversidade e inclusão ou transformação, sobretudo a extensão popular, mas ela não é em nada excludente com relação às cotas, pelo contrário).

Por isso é que acho positivas experiências já existentes no Brasil como as “cotas raciais”* e as turmas especiais para assentados da reforma agrária, e talvez também cotas para estudantes de escolas públicas.

Já que nosso programa (PPGD-UnB) criará reserva de vagas para estrangeiros, o que é excelente, penso que é o momento ideal para avaliarmos e pensarmos outras modalidades de cotas.

Cada uma dessas reservas de vagas pode ter algo em comum, mas também tem justificativas e propósitos potencialmente diferentes, por isso devem ser pensadas em suas peculiaridades (por exemplo, não penso que cotas para escolas públicas legitimem-se pelas mesmas razões que cotas raciais; apenas em parte, talvez. Há, no entanto, outras razões que podem eventualmente legitimá-las). Vamos ao debate!

*Uso aspas porque o ideal talvez seria chamar de “cotas contra a discriminação racial”, pois o nome “cotas raciais” pode confundir alguém. As chamadas “cotas raciais” NÃO são cotas fundadas na existência biológica de raças e na repartição de vagas entre elas, tal qual supõe ponto de vista disseminado no senso comum. Não é disso que se trata. Pelo contrário, trata-se é de reconhecer e combater a segregação das pessoas em raças, produzida socialmente; a ação afirmativa visa a atacar a produção de desigualdade criada socialmente com base em raça, e para isso precisa reconhecer o fato da produção social das raças (e da desigualdade entre elas) e incorporar esse fato na política pública de combate à desigualdade. Não é “racialismo” reconhecer essa desigualdade social (com base na produção social da raça, fato existente) para combatê-la; racialista é quem defende a cegueira a essa forma de desigualdade, pois implica não interferir na sua reprodução social, isto é, acomodar-se ao status quo de reprodução de desigualdades com base em raça.

Sobre ayanrafael

Pedagogo, Assistente Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Trabalhou como técnico-administrativo na Universidade de Brasília, como Professor de Atividades da SEEDF (Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal) e atualmente é Especialista Socioeducativo - Pedagogo na Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, lotado no Centro Integrado 18 de Maio.
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3 respostas para Em defesa das cotas para a pós-graduação!

  1. Thiago Eirão disse:

    Artigo interessante que levanta mais algumas dúvidas na questão das cotas nas universidades. O debate em torno desse tema é muito complexo, já que ambos os lados possuem argumentos que justifiquem a existência ou ausência dessa ação afirmativa. De qualquer forma o que não deve-se deixar de ser discutido é o problema que gerou tamanha desigualdade: um sistema de educação público ruim que separa as camadas de baixa renda das oportunidades escolares e do mercado de trabalho.
    Parabéns pelo blog chacrinha! ótimo espaço de debate.

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    • ayanrafael disse:

      Oi Thiago,
      pois é cara, o problema é que a separação não se dá apenas por critérios econômicos (baixa renda) como você colocou. Considerando a mesma baixa renda, há distorções educacionais gritantes entre negros e brancos, e isso não é por questões biológicas mas sim pelas dificuldades cotidianas que não são as mesmas para essas duas categorias analisadas.
      Abraços e seja bem-vindo ao blog!

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  2. João Telésforo Medeiros Filho disse:

    Grande Chakra, valeu pela divulgação do texto! Mas, felizmente, eu diria que não sou TÃO peixe fora d’água assim na FD, ao menos nesse tema. Tenho vários colegas e professores progressistas, duas dissertações de mestrado e uma tese de doutorado produzidas no PPGD-UnB defenderam as cotas raciais (apesar de uma ter sido feita contra também, a da Roberta Kaufmann), e inclusive semestre passado cursei uma disciplina na pós que trabalhou fortemente essa temática, do ponto de vista da teoria constitucional e da filosofia. A disciplina foi dada pelo Prof. Menelick de Carvalho Netto com a colaboração do Prof. Evandro Piza Duarte (o autor da tese de doutorado mencionada, orientada pelo Menelick, e que acaba de ser admitido por concurso como professor da Faculdade – grande aquisição!). Abraço

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